Até a década de 70 não havia funerária em São Sebastião (SP), quem fazia os caixões era o seu João. Era tão raro morrer alguém. Ele morava pertinho da minha casa, seus filhos eram meus amigos, sempre que eu visitava lembrava da minha mãe falando: - Dizem que seu João já fez o caixão que vão enterrá-lo, ele já deixou pronto. Eu morria de curiosidade, mas não tinha coragem de perguntar pra Licinha, sua filha. Até hoje não sei, mas acho que o caixão do meu pai foi ele quem fez! Uma vez a minha mãe falou: - Coitado do seu João, foi pra São Paulo comprar as coisas que ele usa pra enfeitar os caixões e quando estava esperando o ônibus um ladrão roubou a sacola e fugiu. Fiquei imaginando a cara do ladrão, na hora que abriu a sacola e viu: alças, rendas pretas, pano roxo... e tudo aquilo que deveria estar na sacola... que desilusão! Ele não despertava medo por causa da profissão, ao contrário, era um senhor tranqüilo e tratava as crianças com carinho. Saia andar em dias de chuva e todo mundo falava: - Na cidade onde ele nasceu era difícil chover, por isso que ele gosta tanto de chuva. Hoje voltei pra casa e a chuva me pegou no caminho, não abri o guarda-chuva... vim devagar, lembrando do seu João que fazia caixão...
Nota do Editor: Maria Angélica de Moura Miranda é jornalista, foi Diretora do Jornal "O CANAL" de 1986 à 1996, quando também fazia reportagens para jornais do Vale do Paraíba. Escritora e pesquisadora de literatura do Litoral Norte, realiza desde 1993 o "Encontro Regional de Autores".
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