A absurda alegação de que Lula está e deve ficar isolado de tudo o que se averigua no país poderia ser representada com a figura dos macaquinhos. O leitor por certo lembra deles, um ao lado do outro, com as mãos tapando, sucessivamente, os olhos, os ouvidos e a boca. O presidente nada viu, nada ouviu e nada diz, exceto que "o Brasil não merece isso". Como não sou presidente, vejo, ouço e digo mais. Assim, tenho ouvido lideranças petistas brandindo súbita fúria inquisitorial. Num civismo transbordante de "valores republicanos" querem tudo investigado, tudo preto no branco e rigorosa punição aos culpados. (O leitor certamente já observou que os petistas passaram a empregar, insistentemente, o adjetivo "republicano", promovendo, em relação à República, uma espécie de apropriação partidária que faz todo sentido, aliás, com o que está sendo investigado por aí.) No entanto, se bem me lembro, o mesmo partido e seus líderes impediram criação da CPI dos Bingos (caso Waldomiro). Jogaram no olvido os fatos denunciados por Paulo de Tarso Venceslau na gestão de Campinas em 1997. Afrontaram a ação do ministério público a partir do momento em que as investigações do caso Celso Daniel apontaram para uma queima de arquivo sobre casos de corrupção. Protegeram o presidente do Banco Central, inclusive concedendo-lhe o status de ministro. Passaram a mão por cima do ministro Romero Jucá. Lutaram contra a criação da CPI dos Correios. Pressionaram os parlamentares que haviam assinado a desassinar o documento. E constrangeram o senador Suplicy por haver firmado pela mesma CPI cujos trabalhos agora apresentam como expressão de seu desejo de cabal esclarecimento da verdade. Assim como vi e ouvi tudo isso, li uma tal "Carta ao povo brasileiro" na qual se afirma, entre outras coisas, que: a) as elites iniciaram uma campanha para desmoralizar o governo e o presidente Lula, visando enfraquecê-lo, para derrubá-lo ou obrigá-lo a aprofundar a atual política e as reformas neoliberais, atendendo aos interesses do capital internacional; b)... somos contra qualquer tentativa de desestabilização do governo legitimamente eleito, patrocinada pelos setores conservadores e antidemocráticos; c) que é preciso "excluir do governo federal setores conservadores..." Pasmem, entre as muitas instituições signatárias dessa maluquice está a CNBB através de suas Pastorais Sociais. Cabe perguntar: alguém obrigou Lula e o PT a se associarem ao que há de pior no Congresso? Que estariam fazendo os signatários da tal carta se o governo não fosse petista? Há algo mais reacionário e anti-democrático que esse tipo de esquerda, suas teses e referências? Não subestimem a inteligência alheia: as mesmas forças que por vinte anos tentaram desestabilizar todos os governos com discursos moralistas, agora, no poder, se desestabilizam sozinhas por conduta oposta. Nota do Editor: Percival Puggina é arquiteto, político, escritor e presidente da Fundação Tarso Dutra de Estudos Políticos e Administração Pública.
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