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Opinião
04/04/2019 - 06h46
A epidemia de narcisismo
Montserrat Martins
 

Décadas atrás atendi uma senhora, deprimida, que não sabia dizer quais eram suas preferências pessoais, tudo que fazia era pela família, marido e filho. Eu propus um exercício que ela deveria fazer até a próxima sessão: se imaginar na “Ilha da Fantasia”, onde os seus desejos seriam realizados, me contando depois que desejos foram esses. Na sessão seguinte a paciente abriu o assunto assim: “Doutor, eu acho que o senhor não vai gostar... Eu fiz o exercício que o senhor pediu, eu fui pra Ilha da Fantasia... Mas eu levei o meu marido e o meu filho...”.

Lembrei dessa história agora, como sinal dos tempos. Hoje em dia, ao contrário, o problema não é perder a identidade por abrir mão do próprio ego, mas o extremo oposto, a inflação dos egos. Virou moda dizer que vivemos numa “epidemia de narcisismo”, para descrever o individualismo, o egoísmo e a indiferença no comportamento social predominante. O que se valoriza hoje é a liberdade, a autoestima, o direito ao prazer sem culpas, o “é proibido proibir”.

O mundo está “mudando para pior”, como acreditam os críticos da “inflação de egos”? Não é bem assim, as sociedades “tradicionais” não eram exemplares, escravagistas, machistas, colonialistas, onde a repressão sexual (da chamada Era Vitoriana) era a regra e a “vida dupla” era um padrão social tão aceito que nem se considerava hipocrisia.

“Vivemos a morte de uma Era e a Era seguinte ainda não nasceu”, disse o psicólogo Rollo May em seu livro “A Coragem de Criar”, expressando o vazio de valores morais que sucedia o fim de hipocrisia vitoriana. Se deixamos de seguir os padrões do passado é porque eles não nos faziam felizes, mas caímos numa experimentação de tudo e de todos, onde todos se comunicam com todos e ninguém ouve ninguém.

Sobra tecnologia e falta empatia. Sobra iniciativa e falta paciência. Sobra liberdade e falta humildade. Nos permitimos todas formas de experiência, mas não nos aprofundamos em nada, é a “Era líquida”, como diagnosticou Bauman. Usamos e somos usados, uns aos outros, como produtos descartáveis.

Os relacionamentos estão disponíveis como produtos de uma prateleira de supermercado, que olhamos, pegamos, examinamos, largamos de volta ou então botamos no carrinho para levar para casa e descartar no lixo depois. Isso vale não só para os amores como também para as amizades e outras formas de parcerias sociais. Somos narcisos nos olhando no espelho e provando “quem completa melhor minha beleza?”.

Se voltar ao passado não é uma solução, aprender a diferença entre individualismo e individualidade talvez seja o primeiro passo num rumo mais sadio.


Nota do Editor: Montserrat Martins, colunista do EcoDebate, é psiquiatra, autor de “Em busca da alma do Brasil”. Fonte: Portal EcoDebate (www.ecodebate.com.br)

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