Joana das Flores, assim era o nome dela. Um nome, aliás, muito alegre e florido para uma mocinha de cantar tão triste. Triste ela mesma, e mais triste ainda a melodia ecoando de sua voz bonita. Acaso cantasse alegrias, felicidades, conquistas, amores amados e conquistados, até se poderia dizer que das Flores era uma cantora completa, com sua voz passarinha e seu mavioso compasso de encantar sereia. Ecoava seu canto triste quando no quintal, enquanto lavava roupas. Soltava sua voz tristonha em tristonha canção quando estava derreada no umbral da janela, avistando o mundo lá fora e com olhos de dor e ausências. Cantava triste no seu quarto, por todo lugar. E que letras tristes aquelas daquelas canções entristecidas: “Que venha a noite em meu viver nenhuma luz em mim a clarear basta-me a dor e do mundo seu sofrer pois sem amor no coração nada mais há ave agourenta traga-me seu pio de lamento no breu da noite os meus olhos são de mar chorar a lágrima de uma vida de tormento pois sem amor no coração nada mais há então que venha a noite com seu luar de fel veneno em cálice em minha boca a derramar não há viver aqui na terra nem no céu pois sem amor no coração nada mais há”. Após cada canção, após cada melodia espalhada aos ventos desalentados, Joana das Flores levava o lenço aos olhos e enxugava o que restava de dor pela canção. E no seu peito, certamente o mesmo canto magoado e cheio de entristecimento. Por mais que pedisse um canto novo, um canto alegre, não havia jeito, pois ao longe ecoava coisas assim: “Punhal de ponta afiada tão amigo do meu peito nada mereço além da dor e do sangue derramado um viver triste e pelo sofrimento assim desfeito vai coração e foge do meu peito enjaulado sobre as brumas dos caminhos espinhentos meu passo segue todo ferido e lancinante num grito preso e sem mais força aos tormentos túmulo aberto e onde a cruz é meu amante não chorem por mim depois de minha partida dê-me as lágrimas que preciso mais chorar daqui a pouco chegará a ventania em despedida e no além será meu lar e meu eterno repousar”. Mas um dia, mais precisamente ao entardecer de horizonte avermelhado, a mocinha parou o seu melancólico canto assim que avistou alguém passando ante sua janela. Tão belo rapaz, mas tão formoso rapaz, que num instante ela reinventou-se numa nova canção, e como nunca havia cantado antes: “Quem quiser sofrer dou minha canção encontrei alguém para um novo cantar aquele belo rapaz sorriu ao meu coração e ele com amor é que eu vou me entregar”. E nunca mais a mocinha cantou tristezas. Mas continua cantando, só que numa felicidade tal que alguém diria ser a mais contente do mundo. É o amor e o seu canto transformador. Nota do Editor: Rangel Alves da Costa é poeta e cronista. Mantém o blog Ser tão / Sertão (blograngel-sertao.blogspot.com.br).
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