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SEÇÃO
Crônicas
19/04/2019 - 06h05
Um sopro, apenas
Rangel Alves da Costa
 

Pelos quadrantes o vento vem soprando. Vento norte, vento sul, tanto faz. Se não se apresenta como ventania ou outro sopro mais voraz e devastador, quase sempre chega e passa quase sem despertar atenção. Contudo, no seu íntimo, oculto na sua fome, o vendaval, o redemoinho, a destruição.

Há no vento um perigoso silêncio. Há na sua face uma imperceptível e voraz ameaça. Que ninguém se sinta protegido quando de sua fúria ou de sua sanha de arrebatamento. As folhas que apenas balançam, os coqueirais que apenas murmurejam, os outonos que viajam em seus braços, nada reflete com exatidão sua silenciosa ira.

Protege-se do vento somente pela certeza de que não se está no seu caminho ou confrontando sua força. Somente evitando sua fúria é que será possível permanecer sem qualquer esvoaçamento. A proteção, contudo, não diz respeito a meios materiais que evitem os seus avanços.

Como a brisa leve pode levar pelos ares o ser em sua fragilidade espiritual, igualmente o vento em qualquer outra situação onde a pessoa não esteja devidamente protegida de corpo e alma. Não precisa colocar um muro adiante de si aquele que dentro de si mesmo já está protegido contra qualquer sanha do vento ou da ventania.

Ilusão imaginar que a vida na terra se dá na proteção de muralhas, fortalezas, muros impenetráveis. Utopia imaginar que se habita em moradias tão absolutamente seguras que nada poderá abalar ou destruir suas estruturas. Ora, tudo não passa de casa de vento.

Por mais sólidas que sejam as estruturas, por mais que sejam impenetráveis os portões e as portas, por mais que seja impossível alcançar os interiores e dependências, nada disso impede que os redemoinhos da existência a tudo destruam. Ora, tudo não passa de casa de vidro.

O ser humano, a pessoa humana, não passa de uma casa de vento. Sim, é cálice frágil, é asa de borboleta, é folha de outono, é uma poeira ao espaço, mas principalmente é vento. E vento este cuja força sempre está na dependência e predisposição da força humana. Quanto maior a fragilidade na pessoa maior será o poder de transformação do vento em ventania, em vendaval, em redemoinho.

Enquanto casa de vento, o ser humano pode abrir suas portas sem que sinta ameaçado por redemoinhos. Não há fúria de vento que não passe além e deixe intacto aquele que se reforçou intimamente de tal modo que jamais estará de corpo aberto para os acasos. Mesmo casa de vento, a pessoa estará imune aos vendavais toda vez que se encontrar mais preparado que a fúria mais repentina.

Na casa de vento tudo pode ser levado, destruído, estraçalhado, menos a própria pessoa. Livros, estantes, louças, roupas, toalhas, quadros, móveis, tudo pode ser levado pelos ares como uma folha qualquer, mas não a pessoa que já estava suficientemente protegida de sua tempestuosa fúria.

Por que o sábio foi o único a permanecer no alto da montanha depois que a ventania passou estraçalhando tudo? Por que o homem sensato continua se embalando na sua cadeira enquanto o redemoinho fazia sua festa de destruição? Por que o vendaval arranca plantas e árvores de suas raízes e é como se não tocasse naquele que calmamente repousa debaixo de um sombreado de um pé de pau que foi levado?

Simplesmente por que a casa de vento estava mais forte que a ventania, que o vendaval, que o redemoinho. Simplesmente por que a casa de vento estava mais protegida ante qualquer fúria da vida ou da natureza. Uma casa impenetrável e indestrutível pela própria tenacidade humana. E não uma casa aonde a brisa chegue e de porta a outra não deixe mais nada em pé.


Nota do Editor: Rangel Alves da Costa é poeta e cronista. Mantém o blog Ser tão / Sertão (blograngel-sertao.blogspot.com.br).

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