Nesta história da Daslu, há duas coisas que chamam a atenção. A primeira, claro, é a engenhosidade do sistema sonegador. Mas a segunda, que não tem sido convenientemente destacada, é o fato de que os "benefícios" da sonegação jamais eram repassados para o consumidor. Um vestido poderia ser importado pela loja por uns poucos dólares, mas continuava sendo vendido por R$ 5 mil, uma margem de lucro alucinada. E o impressionante é que as pessoas aparentemente pagavam, e pagam, sem discutir. Isto, num país em que R$ 5 mil sustentam uma família inteira por um ano ou mais, só admite um de dois rótulos. Um deles, que implica juízo de valores, é o qualificativo "obsceno". O outro é aquela expressão cunhada no final do século 19 pelo norte-americano Thorstein Veblen num livro famoso, A teoria da classe ociosa: "consumo conspícuo", consumo para os outros verem. No início do capitalismo, diz Veblen, a riqueza era importante como prova de eficiência, mas não importante em si mesma; ostentação era coisa que não existia. Com o tempo, porém, outro critério se firmou; importante agora era o reconhecimento advindo do fato de possuir algo que muitos desejariam mas que poucos conseguiriam: mansões, carrões, vestidos de R$ 5 mil. A ostentação da riqueza, o "ter" em vez do "ser", passou a ser um sinal de status. A inveja ficou institucionalizada, na expressão do sociólogo Daniel Bell: quanto mais inveja uma pessoa desperta, mais bem-sucedida ela é. Alguns poderiam ponderar que isto é, em primeiro lugar, uma coisa humana, e que a ostentação acaba movimentando a economia e criando empregos. Mas será que é assim mesmo? O esforço humano envolvido na comercialização de um vestido de R$ 5 mil não seria melhor empregado em um outro empreendimento mais útil? Além disto, para gastar R$ 5 mil, a pessoa precisa ganhar R$ 5 mil. Se se trata de um empresário, ele aumentará o preço dos produtos que vende para preencher aquilo que considera uma necessidade sua ou de sua mulher, de sua namorada. Esta foi uma das causas das espirais inflacionárias que, no passado, enlouqueciam a economia brasileira e que só puderam ser detidas mediante um descomunal aumento da taxa de juros. Um vestido de R$ 5 mil pode ser uma obra de arte, e eventualmente o será, mas, até prova em contrário, evidencia duas coisas: 1) a ausência de racionalidade e 2) a ausência de um projeto solidário para o país. A ausência de racionalidade pode não ser uma coisa obscena, mas é, no mínimo, uma tolice, cuja conta o Brasil não tem condições de pagar.
|