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SEÇÃO
Crônicas
27/06/2019 - 07h38
A hora da merenda
Henrique Fendrich
 

Terça-feira era o dia. A professora entendia a gravidade daquele momento e soltava os alunos para o recreio cinco minutos antes do habitual. É que assim eles talvez escapassem da grande fila formada diante da cozinha do colégio. Era apenas às terças que o número de alunos querendo comer merenda se tornava tão grande a ponto de se formar uma fila. A razão é muito simples: naquele dia, a merenda era sucrilhos com leite. E era uma coisa tão incrível que eles dessem esse manjar de graça que todo mundo queria aproveitar para comer. Por isso, formavam-se grandes filas e a professora se via obrigada a soltar os alunos antes do previsto, até porque não havia mais clima para se pensar em nada além dos sucrilhos.

Não sei, o governo devia estar vivendo um momento particularmente bom, do contrário não ofereceria comidas tão boas para as crianças. Não era isso o que costumavam oferecer. Nos outros dias, por exemplo, tinha macarrão com sardinha. E eu era uma das pessoas que tentavam separar o macarrão da sardinha, medida que pouco adiantava, pois os dois estavam sempre tão misturados que o próprio macarrão - oh, absurdo! - ficava com gosto ruim.

Um dia que fazia certo sucesso - nada, é claro, que se compare aos sucrilhos - era as sextas-feiras, quando tinha Toddynho com bolacha Maria. Era o único dia que tinha alguma bebida acompanhada da comida, embora não se possa dizer que fosse muito saudável esse tipo de lanche. Às vezes tinha algumas sopas, principalmente no inverno. Mas houve uma época em que, provavelmente, a crise apertou, pois o governo dava banana seca de merenda. Aquilo era uma coisa de que ninguém gostava, só pegava quem não tinha levado nada para comer, e também quem não tinha dinheiro para comprar algo na cantina.

Havia uma cantina. Para lá, iam as crianças que tinham uma melhor condição financeira. Eu passei a ir lá às sextas-feiras. Com um real, eu podia comprar um pastel de carne e uma “laranjinha”, isto é, um refrigerante de laranja. Era servido na garrafa mesmo e, se você devolvesse o casco depois, tinha direito a alguma guloseima de 10 centavos, como um torrão ou - meu favorito - um “moranguete”. Houve a época dos “Tazos”, aqueles brindes que vinham dentro dos salgadinhos da Elma Chips e que transformou o colégio em um antro de jogatina. Embora minha mãe recomendasse que eu comprasse alguma coisa mais saudável, eu cedia à influência do meio e comprava um salgadinho, unicamente pelo Tazo, provando o acerto da campanha publicitária.

Mas lá na cantina, é claro, não tinha sucrilhos, e por isso até os mais afortunados entravam na fila para comer um pouco às terças-feiras, como se jamais tivessem uma oportunidade assim na vida. As mulheres que nos serviam eram merendeiras, mas nós as chamávamos de “serventes”, porque usavam o mesmo uniforme, e talvez algumas fizessem mesmo as duas coisas. Reclamávamos se não colocavam a quantidade de sucrilhos que achávamos mais justa.

Nos outros dias, nos dias normais, eu era um dos poucos que ainda trazia lanche de casa. Era pão, pão com geleia, comida simples. Acho que levei pão até a sétima série, quando eu - vejam só o que faz a adolescência - sentia vergonha do pão que eu trazia, e teve dias em que passei o recreio sem comer nada, pois não encontrei ocasião de comer o pão sem ser visto. Comia então no caminho de volta para casa, insensível ao fato de ser o lanche mais saudável.

Nessa época já não tinha mais sucrilhos. O que é bom dura pouco, sempre. Acabaram com essa mordomia e nunca mais as professoras se viram forçadas a nos soltar com tamanha antecedência.

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