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Crônicas
05/07/2019 - 05h10
Carrancas do Velho Chico
Rangel Alves da Costa
 

Carranca é cara feia. É bicho feio da peia. Na embarcação vem na proa como bandeira que hasteia, mas sua intenção verdadeira é espantar o perigo que alardeia.

Protegendo a embarcação vem a carranca assombrosa, com a cara grande feiosa, com assombração não quer prosa, só quer que o barco navegue livre da água ruidosa.

Os dentes grandes da carranca, o nariz imenso que atravanca, a língua avermelhada é do tamanho de tamanca, e logo faz espantar o assombro n’água e da barranca.

A história da carranca é tão velha quanto o rio. Num tempo de água muita, navegar com desafio, vencendo as profundezas e o de causar arrepio, mistérios e assombrações, em tudo o calafrio.

As águas possuem beleza, mas também muita afoiteza. Imagina a mansidão, mas logo vem a correnteza. E navegar desprotegido é desafiar os desconhecidos da natureza, é pensar fazer o certo quando tudo é incerteza.

Nos áureos do São Francisco, grandes embarcações navegavam, nas águas se enfileiravam com destinos ribeirinhos e até no rio pernoitavam. Então surgiam os mistérios que nas águas espanavam.

Seres desconhecidos surgidos das profundezas, coisas estranhas demais com fúria e com brabezas, fazendo o navegante temer naquelas águas de incertezas. E foram buscar proteção numa cara de rudeza, na carranca mais feiosa e seu jeito de malvadeza.

Dum tronco grosso de madeira, o artesão foi moldando, com sua arte cortando e a carranca criando. Um misto de gente e bicho, com os olhos esbugalhando, o nariz se achatando, a língua se avolumando e os dentes ponteando.

Quem avista uma carranca logo começa a temer, pois a cara enfurecida faz a pessoa tremer, por medo que ela avance e queira a pessoa comer. Foi com essa intenção, para a embarcação proteger, que a carranca vai na frente espantando o que na frente aparecer.

Tendo à frente a carrancuda com sua cara horrenda, não há ser que não se ofenda e que não fuja da senda. Os maus espíritos do rio surgidos de cada fenda, logo somem ao avistar a cara de pouca prenda, com seus dentes afiados e sua língua tremenda.

Não há navegante que não saiba dos perigos de um rio. Basta entrar nas águas e é lançado o desafio, e quanto mais distancia mais perde a chama o pavio, do nada o inesperado, no corpo o arrepio. Mas com a carranca na proa o percurso é macio, pois a cara feia espanta tudo e das águas faz senhorio.

A carranca é como escudo contra o desconhecido que vem, das profundezas e além e das beiradas também, afastando todo mal que o mistério detém, fazendo sumir das águas o mal que faz vai-e-vem.

A carranca é como arma para vencer o inimigo, para afastar o perigo e para livrar a embarcação de um possível castigo. Basta que sua imagem, com cara de pouco amigo, surja na curva do rio que o caudal se faz amigo.

As carrancas do Velho Chico não existem mais como outrora, com o tempo foram embora, desfeitas de hora em hora. Uma ali outra acolá, como se o rio em nada mais apavora, com sua magreza de água que faz sofrer e que chora.

Quando avistar uma carranca, pois não tenha medo não. Na cara feia a proteção, do Velho Chico o seu pendão, uma arte na história e um fazer de tradição, num tempo em que o homem navegava em profusão.

Imagino aquelas águas e a carranca chegando. Barcos grandes e pequenos pelo Velho Chico passando. Ribeirinho no seu mundo e o mundo inteiro remando. Saudade que vem chorando, lágrima que vai secando.


Nota do Editor: Rangel Alves da Costa é poeta e cronista. Mantém o blog Ser tão / Sertão (blograngel-sertao.blogspot.com.br).

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