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SEÇÃO
Crônicas
31/07/2019 - 05h45
Um novo herói nacional
Henrique Fendrich
 

Vi aquele menino crescer. Sempre foi magro, de compleição frágil, os ombros meio caídos, e tinha um temperamento que condizia perfeitamente com a sua aparência. Lembro-me de seus irmãos tentando fazer com que ele participasse de uma “lutinha”, isto é, aquelas brigas de mentirinha tão comuns entre os meninos. Ele recebia um pequeno soco no ombro, ou um ligeiro empurrão, e olhava para o seu irmão sem entender o que ele pretendia. O irmão queria que ele reagisse, que o agredisse de volta, que desse início ao combate, mas era em vão que esperava. O menino era assustado e delicado demais para isso. E nem ao menos reclamava das agressões que recebia. No máximo, colocava a mão no ombro agredido e a esfregava, como a dizer que doeu e era melhor parar.

O seu jeito contraído não demorou a chamar a atenção dos colegas de escola. Era um alvo fácil e não foram poucas as crianças que se aproveitaram da sua evidente fraqueza. Apanhou várias vezes, nunca sabendo por que é que lhe batiam. Não contava aos pais, mas às vezes eles descobriam. O pai passava um sermão, como a se a culpa fosse do próprio menino. Era mais um a ensinar aquela moral torta segundo a qual não se deve começar uma briga, mas, uma vez que ela tenha começado, não se deve fugir. Porém, o menino não tinha vergonha de fugir ou apanhar.

O pai estava preocupado com o filho que tão pouco pendor demonstrava para o que ele julgava ser “típico de menino”. O menino não demonstrava interesse nem mesmo por esportes. Foi quando um tio tratou de acalmar o pai do menino: “No exército, ele vira homem”. O tio havia servido e fazia daquela época a coisa mais extraordinária que lhe acontecera na vida. Ele mesmo foi conversar com o menino e falou de tudo o que lhe aguardava tão logo fizesse 18 anos. O menino, a princípio, achou que fosse uma brincadeira do seu tio. Ora essa, ir para o exército! O tio, porém, falava a sério. E o menino descobriu então que não tinha escolha, que todo rapaz tinha a obrigação de se alistar quando completasse 18 anos.

Na sua cabeça, não fazia sentido. Como é que podiam obrigar alguém a fazer parte da violência? Não eram todos a favor da paz? Então como querer que ele se juntasse às pessoas que vão às guerras? No seu entender, não era possível separar o exército da guerra e, de fato, não se tem notícia de uma única guerra que tenha dispensado o uso de exércitos. O tio tentava seduzi-lo usando argumentos como “a pátria” e “a honra”, mas, aos olhos do menino, nada disso justificava pegar em armas e matar alguém. Ele não falou, mas também achou estranho o tio invocar o amor à pátria, sabendo o quanto ele vestia roupas com escritos em inglês e ouvia música internacional.

Os pais reforçaram os argumentos do tio em favor do exército. O menino achou aquilo ainda mais absurdo, pois sabia o quanto eram religiosos os seus pais. E, não se contendo, resolveu perguntar:

- Mas e Jesus?

Era uma alma inocente ainda. Não sabia que não apenas Jesus deixara de ser um empecilho para as pessoas que fazem as guerras como, inclusive, era bastante usado para justificá-las. Os pais explicaram que, se não houvesse exércitos, aconteceria todo tipo de crimes e de abusos, que os países precisavam se defender, que havia casos em que era perfeitamente legítimo usar a violência. O menino, abismado, mal podia acreditar que os pais estivessem defendendo, sem saber, a própria ineficácia da mensagem cristã.

Durante muito tempo, temeu fazer 18 anos. Hoje essa idade chegou e ele aceitou o seu destino. Vai servir. Vai pegar em armas. Vai virar homem. Vai defender a sua pátria contra os que defendem a pátria dos outros. E, nos dias santos, irá à missa.

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