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COLUNISTA
Marcelo Sguassábia
19/08/2019 - 06h27
Engenho da marvada
 
 

A família Cabrália. Desafio aparecer alguém que nunca tenha, pelo menos, ouvido falar. Donos de terras de onde você está até perder de vista, não importa em que lugar você esteja. Era um infinito de terra roxa da melhor qualidade, a ponto do caminhante morrer antes de acabar de percorrer o fazendão.

Os Cabrália passavam a vida à espera de heranças, e este esperar era o único afazer de todos na casa grande. Largavam-se às redes na varanda, aos banhos de cachoeira, às sem-vergonhices com a criadagem e a um fazer-coisa-nenhuma sem fim, embalados a doses cavalares de cachaça. Mulheres e homens, sem distinção. Dos pré-adolescentes aos patriarcas e matriarcas beirando os cem, todos bebiam dia e noite e esbarravam-se pelos corredores, trançando as pernas e falando mole.

As doses cavalares tornavam-se industriais. Até que o mais (ou o menos) sóbrio entre eles viesse com a ideia da instalação de um destilador próprio da “marvada” - que abastecesse a família e cujo excedente fosse despejado no mercado, em forma de caninha com rótulo, registro e - se Deus ajudasse - consumidores fiéis.

Se no grande solar da fazenda a caninha foi um sucesso, no mercado foi um fracasso. Para esquecê-lo, bebiam ainda mais. Faziam da aguardente um escudo contra o tédio, os medos, os aborrecimentos e até contra moléstias que os viessem ameaçar. E nas novenas, em hora da Ave Maria, pediam proteção divina às doenças terrenas e rogavam, ainda que não explicitamente, para que a morte da parentalha viesse antes da própria. Assim herdariam mais uma parte das terras, que bem ou mal garantiria um tempo a mais de vagabundagem e de entrega ao álcool.

E o que um dia foi um imenso latifúndio de produção de açúcar para exportação se transformou em agricultura de subsistência. Nos primeiros anos, o percentual reservado a consumo próprio era de 10%, depois passou a 20%, em seguida a 50% e daí foi um pulo para que todo o canavial fosse destinado ao engenho de pinga. Ou melhor, ao vício familiar a que todos se entregavam descontroladamente - até que morressem, fossem sepultados e seus corpos conservados ad infinitum pela quantidade absurda de álcool nos organismos.

O problema é que, desse estágio em diante, a família mesmo tinha que plantar, cultivar e colher a cana. Isto porque, não havendo renda gerada com a comercialização da lavoura, ninguém se arriscava a trabalhar de boia-fria pela possibilidade de não receber. E lá iam eles, antigos fidalgos, encarar a lida para estancar a sede de álcool. Riquíssimos vestidos da mais pura seda, vindos de ateliers da Europa, viravam ataduras para estancar os cortes da ceifa de cana, embornais de marmita, fraldas de rebentos que iam nascendo de mães bêbadas. A céu aberto e sem assepsia, a terra roxa de misturando ao sangue do parto.


Nota do Editor: Marcelo Pirajá Sguassábia é redator publicitário em Campinas (SP), beatlemaníaco empedernido e adora livros e filmes que tratem sobre viagens no tempo. É colaborador do jornal O Municipio, de São João da Boa Vista, e tem coluna em diversas revistas eletrônicas.
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