Naquela quarta, se bem me lembro, desci os degraus de quatro em quatro e me enovelei ao porão mofado. Ursos sem as tripas, de olhos de vidro e pelúcias puídas, me olhavam medrosos em sua ciranda, palitando os dentes com agulhas de vitrola. O tufão das sombras velhas abria as tampas dos baús, violentando o sono eterno das ausências. E todo o tempo sem volta bailava ali sua valsa e me tirava pra dançar, reduzindo a obra de Deus a três compassos de Tchaikovsky. Boiando para adiar a morte, via a ponta do meu nariz quase encostando no que ao mesmo tempo era o teto daquele antro de cupins e o assoalho da casa. Era questão de tempo. Eu viraria o porão de mim.
Nota do Editor: Marcelo Pirajá Sguassábia é redator publicitário em Campinas (SP), beatlemaníaco empedernido e adora livros e filmes que tratem sobre viagens no tempo. É colaborador do jornal O Municipio, de São João da Boa Vista, e tem coluna em diversas revistas eletrônicas.
|