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Crônicas
29/10/2019 - 06h08
Memórias do Azulão
Henrique Fendrich
 

Olhando para mim, é até difícil acreditar, mas houve realmente um tempo em que eu fui popular, ao menos em um círculo restrito de pessoas, e todas elas não passassem dos 12 anos de idade. Eu próprio tinha apenas um pouco mais do que isso, uns 14, o que já era suficiente para que minha autoridade não fosse questionada e, mais do que isso, para que os garotos menores quisessem se aproximar de mim e conseguir as minhas simpatias por um momento.

Alguns anos antes, ninguém diria que aquela situação iria se tornar tão favorável para mim. Aos 11, eu precisava de uma raquete de pingue-pongue. Havia uma mesa na escola e uma grande quantidade de alunos jogava antes de as aulas começarem e no recreio. Eu queria ser um deles também e entrei na fila. Como não tinha raquete, dependia da caridade alheia sempre que chegava a minha vez. Depois de um tempo, as pessoas ficam cansadas de emprestar a raquete para você. Por isso eu precisava ter a minha própria raquete de qualquer jeito. Saí para comprar.

Era o meu aniversário e eu tinha uns poucos trocos comigo. O suficiente para ir a uma daquelas lojas de R$ 1,99. Lá encontrei um jogo que vinha com duas raquetes e duas bolinhas. Comprei. Essas raquetes não tinham, evidentemente, coisa alguma de profissional. Não tinham sequer a borracha para bater na bola. Era só um pedaço de madeira ou coisa parecida, um pintado de azul e o outro de vermelho. O tipo de coisa que se compra por R$ 1,99. Era, de toda forma, uma raquete. Escolhi a azul e naquele mesmo dia me apresentei para jogar com ela.

Ora, havia na escola muita gente com raquetes chiques e estilosas. A minha logo chamou a atenção pela sua, digamos, simplicidade. O inusitado da sua cor também não escapou aos meus colegas de jogo, em sua maioria mais velhos do que eu. O resultado foi que me deram um apelido: “Azulão”. Naqueles tempos, havia um personagem do Ratinho chamado Azulão. Tinha até música: “Solta o azulão! Solta o azulão, paixão, solta o azulão!”. É claro que também usavam a música quando falavam de mim. Era o que hoje se chama de bullying, mas eu não me importava muito. Tinha uma raquete e com ela ganhava muitas vezes de gente que tinha raquetes caras e bem feitas.

Houve alguns dos melhores jogadores, gente que já estava na oitava série, que inclusive pediram a minha raquete emprestada para ver como era jogar com aquilo. Era, é claro, zoação. E foi na mão de um desses outros jogadores que a raquete teve o seu fim, pois, durante uma jogada, ela bateu contra a mesa e, como era de se esperar, quebrou. Ainda tentei fazer um reparo nela, mas não adiantava mais. Algum tempo depois, meu pai me pagou uma raquete de verdade.

Não tinha mais a raquete azul, mas o apelido ficou. Ainda era chamado de Azulão. Com o passar dos anos, os mais velhos se formaram e cheguei eu próprio à sétima, à oitava série, o que significava que agora era eu um dos melhores jogadores da escola. Gente da quarta e da quinta série perdia fácil para mim. Esse povo não fazia ideia do motivo pelo qual me chamavam de Azulão e várias vezes eu precisava explicar. Seja como for, me respeitavam. Foram eles que me tornaram popular. Todos queriam ganhar do Azulão, o que para eles era um acontecimento.

Minha vantagem era mais etária, eu não era tão bom assim. Eu segurava a raquete de um jeito meio estranho. Tinha, é verdade, a grande vantagem de ser canhoto. Não era mau jogador, e ainda hoje sou capaz de algumas boas partidas, mas, é claro, eu não era o Cláudio Kano - meu amigo imaginário no tempo em que ainda tinha aquela raquete azul.

Bem, me formei no ensino fundamental e fui para outra escola - uma escola que não tinha mesa de pingue-pongue. Em consequência, e até os dias de hoje, nunca mais a popularidade me alcançou.

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