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Opinião
16/11/2019 - 09h02
No mato sem cachorro e sem educação
Dartagnan da Silva Zanela
 

Nas últimas décadas, a ideia de “educação”, de investimento nessa dita cuja, passou a ser algo dito, ouvido e repetido como se fosse, praticamente, uma espécie de mantra salvacionista que iria, com sua luz opaca, libertar toda a humanidade das trevas que vicejam o coração humano; como se o culto desta tivesse um papel similar ao de uma religião na sociedade atual, como bem nos é lembrado por Ivan Illich.

Sim, já escrevinhei muitas linhas turvas e muitas páginas mal escritas e borradas em vários momentos, nas últimas duas décadas, sobre esse tema infeliz, a respeito deste problema insolúvel.

Essa montoeira de palavras - penso eu - foi tão mal compreendida quanto foram mal rabiscadas e, talvez, por isso mesmo, insisto em continuar parlando sobre esse tema para, quem sabe, torná-lo mais claro para mim e para aqueles que - gentilmente ou não - deitarem suas vistas sobre as linhas que agora semeio e, deste modo, quem sabe, possamos ter uma visão mais clara do tamanho da encrenca em que nos enfiamos.

Para tanto, me permitam fazer uma perguntinha; digo, permitam-me propor um cenário imaginário.

Suponhamos que nós sejamos médicos e que os pacientes atendidos por nós demorem mais do que o esperado para receber alta. O que, aliás, acontece muito frequentemente. Porém, todavia e, entretanto, suponhamos que o exercício da medicina seja, de repente, reorganizado por pessoas que veem na retenção de pacientes em seus leitos um ato injusto; um processo de exclusão social e, por isso, para corrigir esses abusos históricos e nada inclusivos, esses mesmos burocratas resolveram que todos os médicos deveriam passar a dar alta para todos os pacientes que, como direi, “tentaram” ficar sãos, mesmo que não tenham restabelecido minimamente a sua saúde.

Ah! E é claro que tudo isso seria feito em nome da inclusão, da justiça social e da maldita consciência criticamente crítica e “responsável”.

E não apenas isso! Imaginemos, também, que neste cenário, burocratas, autores da reorganização deste hipotético sistema de saúde, movidos pelo mesmo pendor, resolvessem estabelecer contas mínimas para manutenção das internações. Suponhamos que apenas um número ínfimo de doentes pudesse permanecer internado até, realmente, recuperar [hipotética e] minimamente a sua saúde. Imaginaram caríssimos? Pois é. Que coisa hein.

Então coloque mais um elemento nesse cenário: conjecturemos que os pacientes não se sintam obrigados a seguir as prescrições e recomendações médicas para ficarem curados.

E tem outra: se o abençoado não melhorar e, por ventura, vier a óbito, a responsabilidade recairá, total e invariavelmente, sobre os ombros dos homens de jaleco branco, mesmo que o enfermo nunca tenha seguindo minimamente as suas recomendações.

Pior! Imaginemos que, ao final, venha uma comissão de esclarecidos e iluminados burocratas, que nunca colocaram os pés num consultório, num posto de saúde ou num centro cirúrgico, para questionar o médico com perguntas como: o que você fez para que o seu paciente se interessasse pelo seu tratamento? Quais metodologias ativas e diferenciadas você adotou para chamar a atenção do doente? Quais?

Que barbaridade! Bem, se os atendimentos médicos fossem guiados deste modo, o que aconteceria com a medicina? Pois é. Foi o que eu pensei.

Ela não mais seria a arte da cura. Seria outra coisa. Seria o contrário da medicina.

Bem, tal cenário, hipotético e hiperbólico simulado nas linhas acima, na verdade, é o palco em que há décadas o sistema educacional encontra-se agrilhoado. Essa é a triste realidade da educação brasileira, digo, do sistema de deseducação de nosso país.

Uso a medicina como analogia porque, durante essas últimas décadas, ouvi da boca de inúmeros burocratas, li em escritos de incontáveis doutos, que se professor bom fosse aquele que reprova o aluno, bom médico seria aquele que mata o paciente.

Sempre achei essa analogia duma infelicidade sem par. Mal elaborada, maliciosa e canalha, porque, com aquele ar putrefaz de bom moço, tais palavras acabam refletindo uma visão distorcida que subverte, perverte e, consequentemente, destrói, descaracteriza o papel precípuo do professor no teatro da vida.

Por isso, penso eu, seria melhor dizer que o bom professor é aquele que aprova o aluno quando ele realmente atingiu determinados pré-requisitos mínimos, da mesma forma que o bom médico é aquele que apenas dá alta para o paciente quando ele está com a sua saúde reestabelecida.

Se um médico fosse desautorizado a fazer o que é necessário para curar um paciente, da mesma forma que um professor é sutil e veladamente desautorizado a ensinar e a educar (na verdade, a desautorização não é tão velada assim e, muitas vezes, nem um pouco sutil), nós teríamos uma multidão de enfermos andando pelas ruas crentes de que estaria sãos de lombo, da mesma forma que hoje temos diplomados aos borbotões, nos quatro cantos do Brasil, portando todas as limitações advindas dum sistema educacional pervertido por concepções educacionais equivocadas e por políticas e ações de burocratas que não sabem nem quando é dia nesta arena dos jalecos e das lousas.

Poderíamos fazer analogias com inúmeras outras atividades, mas aí, meu caro Watson, a escrevinhada ficaria demasiadamente longa. Mas uma coisa a certa: se todas as outras profissões fossem regidas por princípios cínicos e maliciosos, como há décadas vem ocorrendo com a educação, estas também estariam naufragando.

Abre parêntese: Aliás, algumas, de fato, estão; mas esses seriam panos para as mangas doutras camisas. Fecha parêntese.

É óbvio que esse não é o único problema presente e gritante na seara da educação. Mas a corrosão que foi sendo feita, lentamente, da autoridade professoral é um dos maiores e que, hoje, atinge o seu ápice.

Corrosão essa que foi feita, e continua sendo realizada, com as bênçãos do patrono da educação brasileira, de seus discípulos e demais seguidos e simpatizantes.

Enfim, a meu ver esse é o ponto em que a porca torce o rabo e, por essa razão, creio firmemente que enquanto isso não for revisto com a devida e indispensável serenidade, continuaremos no mato sem cachorro e com um simulacro educação, atestado por um papel pintado, e de valor duvidoso, nas mãos.


Nota do Editor: Dartagnan da Silva Zanela é professor e ensaísta. Autor dos livros: Sofia Perennis, O Ponto Arquimédico, A Boa Luta, In Foro Conscientiae e Nas Mãos de Cronos - ensaios sociológicos; mantém o site Falsum committit, qui verum tacet.
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