Existem basicamente dois tipos de críticos de cinema: os bobos e os espertos. Os primeiros acreditam que todo cineasta é bom por natureza e costumam venerar cada um deles, não importa muito o que façam. Os segundos sabem muito bem quando bater e quando assoprar; fazendo amizade e afagando os nomes certos, podem crescer na carreira e aumentar seu próprio prestígio, compondo júris de festivais, por exemplo, e assim realimentando a cadeia alimentar da bajulação. As duas espécies de críticos saudaram o mais recente filme de George Romero, "Terra dos Mortos", como uma obra-prima. Romero forjou o conceito cinematográfico moderno de "zumbi" ou "morto-vivo". Em suas produções, um mundo brevemente futuro divide-se entre os vivos e uma legião de mortos recentes que, recusando-se a assumir seus desígnios, sai à caça de carne humana para digerir em marcha lenta. Vagam pelo mundo, são uma ameaça silenciosa e errante, mas conseguem transformar suas "vítimas" de uma hora para outra em caçadores prontos a matar. "Terra dos Mortos" escancara o conceito da luta de classes e isola os vivos como uma elite encastelada vivendo de privilégios, enquanto do lado de fora das muralhas, os vivos pobres, mercenários e zumbis se matam por um pouco de comida, gasolina ou vísceras, dependendo do caso. Mas não pára por aí: os mercenários que servem a essa elite são descartados friamente assim que cumprem suas missões, e a partir daí passam a engrossar o exército dos excluídos e ressentidos. O confronto final é inevitável: a classe privilegiada sucumbe ao processo histórico morto-vivo, os limites são detonados, a justiça popular é cumprida à foice e uma meia dúzia de guerrilheiros românticos foge para as florestas do Canadá. Não é necessário ter muitas horas rodadas de cinemateca, nem ter visto todo Antonioni ou Hitchcock possível para perceber que o filme é um abacaxi inacreditável, uma parábola social de pobreza cordelesca. E os críticos, estudiosos incansáveis da arte cinematográfica, perceberam isso, certo? Errado. Errado porque o filme diz exatamente aquilo que os críticos acham que deve ser dito. Mostra a elite como os EUA, um mundo à parte falsamente seguro e seu líder vestido exatamente como o faz habitualmente George W. Bush. O mercenário usado e depois descartado assume ares de Bin Laden, ou mesmo de Saddam Hussein: o ex-comparsa atraiçoado. O circo ideológico está armado mas o espetáculo não acaba dentro da tela. Romero é um hippie tardio e escancara seu posicionamento político a torto e a direito, bradando: "os zumbis são os afegãos, são os iraquianos!". Seu filme, contudo, é distribuído pela Universal e não por uma distribuidora afegã ou iraquiana (ou chinesa, ou cubana etc.). Uma das atrizes do longa, Asia Argento, declara que "odeia Hollywood", apenas aparece por lá, filma e volta correndo para a Itália. Como boa esquerdista, pega seu dinheiro e cai fora. Não preciso dizer que ambos engrossam o grupo dos espertos, não é mesmo? Os bobos, por sua vez, crêem nas boas intenções de todos os envolvidos: o alinhamento ideológico de esquerda não pode, em hipótese alguma, ser visto como mera jogada de marketing. Os espertos, esses jamais sonhariam se colocar contrariamente ao ideologicamente correto do momento. Mas esperto, esperto mesmo é Dennis Hopper: interpretando a paródia de Bush, passa a impressão de estar de férias. Uma parcela de seu cachê certamente irá contribuir na próxima campanha do Partido Republicano...
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