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SEÇÃO
Crônicas
16/03/2020 - 06h35
Um homem do século 21
Henrique Fendrich
 

Ao pesquisar sobre as origens e a história da minha família, deparei-me com os trabalhos de certo Henrique Fendrich, que viveu há mais de dois séculos, durante os anos 2000. Seu meticuloso trabalho, espalhado em diversos livros de história (inclusive impressos, como ainda se fazia naquela época), foi de grande valia para o estudo de alguns antepassados que tínhamos em comum. Ele mesmo não é meu antepassado, como, de resto, também não é antepassado de ninguém, pois não teve filhos.

Vendo-me beneficiado pelo seu trabalho, que me poupou um bom tempo de pesquisa, eu tive a curiosidade de saber mais sobre esse personagem a quem devia preciosas informações. Soube então que era, além de genealogista, um escritor de “crônicas”, um gênero difícil de se definir, nascido ainda nos tempos da imprensa, mas que se aliava à literatura. Comecei a ler as crônicas que ele escrevia, as quais eram bastante pessoais, e desse modo pude formar a imagem de um personagem um tanto curioso.

Não que, externamente, a vida dele chamasse a atenção de alguma maneira. Ao contrário, nesse aspecto parece ter tido uma vida banal. Formou-se em jornalismo (era ainda o tempo dos jornais), mas não parece ter tido grande sucesso na carreira. Teve sempre problemas com dinheiro e durante boa parte da vida esteve desempregado. Vivia só com a mãe e não me consta que tenha tido, oficialmente, alguma namorada. Na verdade, é de se duvidar até mesmo que tivesse amigos mais próximos. Naqueles tempos, a vida ainda se dividia entre “real” e “virtual”, sendo que ele, basicamente, se concentrava nessa última.

De fato, os registros revelaram uma intensa participação nas “redes sociais” então existentes, na qual revelava uma segurança que, ao que me parece, jamais teve na vida “real”. Isso porque aparentava ser tímido até as raias da fobia social, mas se sentia mais à vontade no ambiente “virtual”, já que, como dito, ainda havia essa distinção. As publicações que fazia nas redes sociais, somadas às suas crônicas, me fizeram crer que tivesse uma intensa vida interior. Embora escrevesse muitas coisas divertidas, tenho para mim que era apenas um jeito que encontrava para lidar com a sua própria tristeza e melancolia. A solidão parece ter sido a sua mais fiel companheira.

Deixou também dois diários, um voltado às suas leituras (era realmente um leitor obsessivo) e outro às discussões filosóficas e existenciais, material que me parece bem mais relevante do que as suas crônicas. Era um eterno curioso pelos grandes temas da vida, o sentido das coisas, a morte, etc. Parecia buscar a verdade com sinceridade, num tempo em que as pessoas ainda achavam que era possível ao ser humano encontrar as razões da existência de tudo.

Pelo que vi, não se filiou a nenhuma corrente de pensamento ou ideologia, pois era muito cioso da sua liberdade de pensamento e consciência. Tinha, contudo, severas restrições ao Estado e à violência, mesmo em suas formas mais sutis. Pode-se dizer até que suas crenças fossem um tanto ingênuas, mas, de todo modo, são perfeitamente compreensíveis como reação ao terrível estado das coisas na sua época. E não deixamos de nos simpatizar com a sua pessoa.

Curioso que um homem que tanto se dedicou à história da família tenha terminado os seus dias sozinho. Creio que o seu jeito singular de ver a vida, somado ao seu temperamento, foi aos poucos o afastando de todos. Ele tentou deixar muitas marcas ao longo do tempo, querendo, penso eu, driblar a sua própria efemeridade. Não teve nunca o destaque que achou que merecia. Com este pequeno texto, espera-se fazer um pouco de justiça à sua memória.

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