Você reparou no efeito colateral das CPIs televisionadas? A autoridade está lá, discursando sobre ética, democracia, macroeconomia e estratégias para colocar o país nos trilhos, tentando explicar o inexplicável, justificar o injustificável. Repentinamente solta um "menas". Tudo bem. Ato falho. Vamos continuar apreciando o discurso. Sai um "nóis". Rá, rá... Tudo bem. É vício de linguagem. Também tenho os meus. Aí sai um "própio". Êpa, ele escorregou. Tudo bem. Aí vem um "poblema". E mais um. E outro... Êpa. E você repara mais na dificuldade dela em colocar um "s" no final das frases plurais. Ou a concordância que mais parece discordância verbal. Pois saiba que isso não é escorregão não. É convicção. Aquela autoridade não é uma autoridade. É "otoridade". A CPI pela TV nos mostra como a língua portuguesa está ficando feia e inexata por estar infestada de maus hábitos. De "pobremas", que acabam se espalhando pela imitação... Isso é efeito de nossos pensamentos pobres, medíocres, alinhados com a cultura pocotó desta sociedade da informação superficial. E sabe o que é pior? Um efeito pode tornar-se causa. E passa a reforçar a causa original, produzindo o mesmo efeito ampliado, num crescendo. É como a história do sujeito que bebe por se achar um fracassado e fracassa mais ainda por beber, sabe como é? A linguagem pobre incentiva os pensamentos pobres que incentivam o empobrecimento da linguagem... E lá vamos nós na espiral da mediocridade. Quem consegue se livrar desses maus hábitos consegue pensar com mais clareza. E pensar com clareza é o primeiro requisito para quem busca, por exemplo, reformar a política brasileira. Ou a economia. Ou a segurança... Então a defesa do português bem falado e escrito não é um detalhe sem importância! É parte de qualquer movimento que tente melhorar este país. Falar direito é o primeiro passo para pensar direito. Tem a ver com capacidade de julgamento, com a percepção da própria ignorância. Com a capacidade reflexiva do indivíduo. Foi Wilhem Reich quem disse: ninguém tem culpa de ser ignorante, mas tem culpa de não buscar a cura. Quem não fala direito o próprio idioma pode assumir um cargo de exposição pública, onde servirá como referência para milhões de pessoas? É normal isso? É aceitável? Tem gente que jura que é, que acha que o sujeito é "genoíno". Pela origem humilde, tem licença para errar. Pois eu repilo, como diria o Zé Dirceu. Olha, pode ser que você não se incomode com esses detalhes. Talvez até sinta-se tentado a escrever um e-mail me acusando de preconceituoso, de elitista, de mauricinho, de os cambau. Quer saber? Tudo bem. Cada um com seus pobrema. Nota de Editor: Luciano Pires é jornalista, escritor, conferencista e cartunista.
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