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Crônicas
08/08/2005 - 08h08
Raul Seixas, rei dos pedreiros
Christian Rocha
 

Bem ao lado de minha casa há um bar, na verdade um boteco, no sentido mais tradicional das palavras. Na maioria dos botecos os fregueses ouvem pagode, sertanejo e outras coisas muito populares. No boteco que fica do lado de minha casa, os fregueses ouvem Raul Seixas. Eles não são diferentes dos outros freqüentadores de botecos de Ilhabela - a maioria é de trabalhadores braçais que encontram nesses estabelecimentos o pouco de lazer e sociabilidade que podem ter: música, bebida, amigos, sinuca. Mas o que poderiam querer com Raul Seixas?

O gosto pela música tem estreita relação com aquilo que vai na alma do sujeito em determinado momento ou fase da vida. Eu, como gosto de música clássica, permito-me deduzir que há em minha alma alguma coisa que também existe na música clássica. Se pedreiros gostam de Raul Seixas, permito-me deduzir que há alguma semelhança entre eles e o Maluco Beleza.

Música é som. Ouvimo-la porque ela se propaga pelo ar. Ela faz vibrar o ar que existe entre nossos ouvidos e o aparelho que emite o som. Ouvimo-la porque nossos tímpanos vibram numa freqüência semelhante daquela produzida pelo aparelho sonoro. Algo parecido acontece com o gosto pela música: ela se torna agradável quando ecoa em nossa alma, sentimentos, idéias e/ou sensações semelhantes àquelas produzidas pelo músico. Não que seja necessário identificar-se com a alma do músico, mas é agradável aos ouvidos a música que reflete sonoramente algo daquilo que já está dentro de nós.

Raul Seixas era um artista rebelde. Bem, todo artista é rebelde por definição, principalmente aqueles cuja vida artística desenvolveu-se ao longo das décadas de 60 e 70 - época em que todo artista era obrigado a ser rebelde. Pedreiros não são sujeitos rebeldes, mas têm em si o germe da rebeldia: são sujeitos pobres, assalariados, não possuem os meios para mudar a própria condição, mas ao mesmo tempo desconfiam que sua condição não é das mais justas. Como a maioria trabalha na construção de casas de veraneio, o contraste entre suas vidas e as vidas de seus patrões assevera essa rebeldia potencial.

Claro que nem todos os pedreiros percebem isso. Para muitos a sedução da música-de-corno-manso ainda é muito forte. Para outros, a aquisição de um aparelho de som melhorzinho, em casa ou no carro, exige que se escolham estilos musicais que possam aproveitar todas as potencialidades tecnológicas, como a música eletrônica (suficientemente diversificada para esse fim) ou o axé (que nunca, nunca pode ser ouvido com poucos decibéis).

Mas Raul Seixas surge como espécie de herói dessa rebeldia enrustida, para aqueles avessos às músicas-de-corno-manso e aqueles que ainda não compraram um som maneiro. Pedreiros não têm o menor interesse em criar uma nova revolução proletária, mas querem manter em si o germe dessa revolução. Eles querem - como nós, profissionais liberais, fazemos às vezes - xingar os poderosos, reclamar da desigualdade e das injustiças sociais, mesmo que seja com um pouco de álcool no sangue, diante de uma mesa de sinuca, apenas para seus amigos ou para sua bicicleta barra circular. Raul não é perfeito para isso. Mas, apesar de seu Plunct Plact Zum, ele sempre renasce como maluco beleza sustentando a bandeira da sociedade alternativa.

Feliz o dia em que as pessoas simples deste país escolherem heróis melhorzinhos.


Nota do Editor: Christian Rocha vive em Ilhabela, é arquiteto por formação, aikidoka por paixão e escritor por vocação. Seu "saite" é o Christian Rocha.
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