Tenho dó do povo a que pertenço. Ministros de Estado envolvidos em casos de corrupção até o pescoço; representantes do parlamento emporcalhados até a raiz dos cabelos; partidos políticos metidos em falcatruas abundantes e descaradas. Mas, apesar de tudo isso, nada acontece. Vivemos uma das mais graves e profundas crises de toda a nossa história republicana e tudo parece perfeitamente normal, como se vivêssemos num reino de faz-de-conta. Continua-se à espera das provas, das malditas provas. Roubalheira e corrupção há em toda parte, mesmo em países desenvolvidos, com leis estáveis e instituições fortes. A diferença marcante está na reação dos súditos. Enquanto nações que demonstram alguma vergonha na cara cobram dos seus representantes atitudes enérgicas contra a bandalheira e não se deixam engabelar com facilidade, povos indolentes, como o nosso, deixam-se levar pela ginga dos malandros e pela retórica ululante dos mal intencionados. Nos Estados Unidos assistimos um presidente da república impelido a renunciar simplesmente porque descobriu-se que poderia estar envolvido num esquema de espionagem pré eleitoral. Um outro quase sofreu um processo de impeachment pelo singelo motivo de, "suma transgressão", ter mentido à nação sobre um affair extra-conjugal. Já presenciamos um funcionário público norte-americano dar um tiro na própria boca, em frente às câmeras de TV, porque, flagrado num caso de corrupção, simplesmente não suportou olhar novamente nos olhos dos filhos. Quantos políticos, empresários e burocratas japoneses já não cometeram o haraquiri por motivos muito mais leves do que os que atualmente presenciamos nesta Terra Brasilis? Lembram-se de um ministro inglês que renunciou só porque descobriu-se metido num caso de homosexualismo? Já em Pindorama, pelo menos desde o suicídio de Getúlio Vargas, a coisa funciona de forma diferente. Políticos e servidores públicos, por mais fortes que sejam as acusações e as evidências contra si, sequer se dignam a afastar-se dos cargos durante as investigações e processos, enquanto seus superiores também agem como se nada houvesse. Vejam os casos do presidente do Banco Central e do Ministro da Previdência. É tudo muito conveniente e sintomático. Durante mais de um ano, convivemos candidamente com um ministro de Estado que teve um assessor direto filmado, em poses e closes, pedindo propina a determinado empresário do jogo do bicho. Mas o país dos despejados acreditou que a indigitada autoridade nunca soube de nada. Que o subordinado fazia tudo à inteira revelia do chefe, malgrado terem morado sob o mesmo teto por longo período. Até hoje não se tem notícia de que o tal burocrata tenha prestado contas à justiça. Um funcionário dos Correios é filmado recebendo um maço de dinheiro para facilitar as coisas para empresários e, pasmem, no lugar de pedir desculpas à nação e aos seus familiares, inventa uma estória da carochinha para justificar o fato. Dezenas de deputados são acusados, com provas materiais e testemunhais abundantes, de terem recebido mesada de certo partido político para votar com o governo e, passados quatro meses, o máximo que temos até agora é um processo disciplinar contra o acusador. A sem-vergonhice é tanta que ninguém assume coisa alguma. Ninguém jamais confessa nada. Sempre há uma boa desculpa, uma história mirabolante a justificar qualquer coisa, por mais estranha que possa parecer. Como somos um povo absolutamente crédulo, inventam-se álibis, desculpas esfarrapadas e enredos os mais diversos para tentar escapar. E o pior de tudo é que, na maioria das vezes, cola. Temos um presidente da República cujo partido comprou votos para aprovar projetos de interesse do governo. Já está mais que provado e comprovado o envolvimento do presidente, do secretário geral e do tesoureiro do partido, além do ministro da casa civil, em cujo gabinete no Palácio do Planalto se negociavam e se ajustavam as coisas. Mas, o ingênuo presidente, aquele "com quem ninguém pode discutir ética", obviamente nada sabia. Tudo era feito à sua revelia. Um esquema que envolvia bilhões de reais e milhares de cargos públicos, mas o supremo mandatário, puro como uma vestal, jamais soube de nada. Uma grande empresa de telefonia, concessionária de serviço público e de cujo capital participam alguns fundos de pensão de empresas estatais, além do próprio BNDES, joga nada menos que 5 milhões de reais numa pequena empresa de informática, recém formada e sem qualquer currículo até então, a não ser a participação de um inexperiente e inexpressivo profissional, cuja única "virtude" é ser filho do presidente da República. Inacreditavelmente, a imensa maioria acha que não há nada demais nisso. Trata-se de um negócio como outro qualquer, mesmo que a maior empresa do setor não tenha faturado mais que 1,5 milhões no último ano. Malgrado todo o lamaçal, os índices de popularidade do senhor Lula continuam altíssimos. A população acredita piamente que ele nada sabia. Que se trata de uma alma pura e inocente. Até mesmo o tarimbado jurista, hoje presidente do STF, pensa que o homem é uma vítima das circunstâncias. Não se vêem manifestações de rua. Os grandes veículos de comunicação continuam fingindo que tudo não passa de pequenos desvios sem maiores conseqüências. Excetuando-se algumas demonstrações isoladas de revolta e indignação, o que se vê é a grande maioria do povo completamente alheio a tudo, como que anestesiado ou, melhor diria, absolutamente resignado. E assim vamos seguindo a nossa sina de permanente falta de vergonha na cara. Nota do Editor: João Luiz Mauad é empresário e formado em administração de empresas pela FGV/RJ.
|