Não consigo imaginar o presidente Lula inteiramente alheio a tudo isso. Sabia de tudo ou quase tudo, claro. Em reuniões mais íntimas com os principais conselheiros e auxiliares, com toda a certeza tentou rodar a baiana, alertar os mais afoitos, pedir cautela extrema a essa cúpula marxista-leninista-stalinista que estendeu sobre ele uma grande sombra e que em vez de pôr as massas na rua — uma metáfora da inclusão ativa e sem mentiras — preferiu trocar o dígrafo pela consoante dental-alveolar, precipitando o furacão. O cidadão comum que assistiu a algumas poucas sessões da cepeí dos Correios não tem como evitar a certeza de ser um excluído desse mundo ardiloso em que políticos, homens de grana e lobistas de toda ordem convivem e no qual “a luta é incessante e onde intervêm periódicas reconciliações”, como diz Nietzsche, em outro contexto, em sua grande obra sobre o nascimento da tragédia. Curioso. Eu, por exemplo, senti nojo, asco, repugnância. E me senti também aquele otário do tango. Dois ou três votos meus achavam-se entre os parlamentares ali presentes tentando desautorizar os que prestavam depoimento e adotando táticas diversionistas para encobrir a ferida. Bem, não estavam ali, como haviam prometido em suas campanhas, para passar país nenhum a limpo. Diziam-se a toda hora republicanos, acabando por enlamear uma etimologia honrada. Sim, parecia mesmo a seus pés a res publica. Fico perguntando-me se, de alguma maneira, não foi essa a bela lição democrática do mecanismo da transição, a qual, desde o seu anúncio já na posse do nosso ex-metalúrgico, deu-me um frio na espinha. O que para grande parte dos analistas e âncoras parecia uma solução cavalheiresca e prova de maturidade política passou para mim a impressão de uma grande jogada, que por si mesma viria a determinar, por parte do novo governo, a aceitação de fatos consumados em todas as esferas da administração pública. Se Dirceu, esse novo guardador de rebanhos, foi de fato um titereiro, como se diz por aí, só a transição poderia conceder-lhe os cordões e os bonecos. Não sou adivinho, mas acho que tudo começou ali, pelo menos para os petistas estreantes no poder. Chego mesmo a pensar que, se essa coisa-pandora fosse inteiramente desvelada, precisaríamos, sim, de uma grande cepeí da corrupção, com duas sub-relatorias, uma para cada um dos dois últimos governos.
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