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SEÇÃO
Crônicas
05/10/2020 - 06h45
O dinheiro que se perde
Henrique Fendrich
 

Mas era inacreditável! Oitenta reais, quatro notas de 20, enroladas em um único bolo. E haviam desaparecido. Olhou e revirou os bolsos da calça, na esperança de algum fundo falso, mas não encontrou nada. Oitenta reais! Perdera, ou havia sido roubado - na prática, isso não fazia a menor diferença. Como se estivesse sobrando mesmo, para se dar ao luxo de perder tanto dinheiro assim! Ele, que precisava fazer bicos todos os meses para pagar o que o salário não dava conta, que abria mão de tanta diversão e não podia sequer viajar quando chegava o feriado, que deixava até de fazer consertos necessários em casa, esperando os dias de maior prosperidade, ele, em suma, desperdiçara, de uma vez só, vez oitenta reais.

Passou a mão pelo cabelo e depois a esfregou na cara, em atitude de incredulidade e desespero. E então veio uma grande tristeza pelas coisas serem do jeito que são. Trabalhar, trabalhar, trabalhar, para ter dinheiro, para poder comer, para ter saúde, para trabalhar. Isso não era vida - não era, pelo menos, o modo como gostaria de levar a sua, mas quem disse que ele tinha escolha? Agora, as coisas continuavam do mesmo jeito, ele tinha as mesmas obrigações que tinha antes, somente uma coisa havia mudado: tinha oitenta reais a menos para pagar as contas do mês.

De ombros caídos e semblante abatido, passou a caminhar na direção da sua casa. Quando faltavam algumas quadras, deparou-se com um amigo, que o fez parar. O amigo nada percebeu de errado no seu semblante, pois há amigos que são assim mesmo. Os dois se cumprimentaram e ele, esquecendo por um momento da perda do dinheiro, perguntou como o seu amigo estava passando, pois fazia pouco tempo que havia perdido os pais, um logo depois do outro.

Ficou aquela conversa no estilo “são coisas da vida” e então o amigo falou que havia começado a vender vários móveis, eletrodomésticos e objetos em geral da casa dos seus pais, já que ela não seria mais utilizada pela família. E perguntou se ele, o homem abatido, não estaria interessado em uma geladeira.

- É usada, mas está super conservada. Eu levei agora há pouco um conhecido da minha esposa para ir ver, mas aquele sujeito queria me pagar 600 reais por uma geladeira como aquela. Tive que me segurar para não rir na cara dele. 600 reais! Ele acha que é a “Porta da Esperança”? Não sou otário. Aquilo lá vale 2 mil reais, no mínimo, meu amigo. Dois mil reais.

O homem abatido ficou então pensando na felicidade de alguém que é capaz de oferecer 600 reais por alguma coisa. Porque isso significa que esse dinheiro está sobrando e já pode ser gasto com outra coisa que não a mera sobrevivência do seu corpo. E pensou nos dois mil reais que o amigo pedia, mais do que ele ganhava no mês! O amigo podia obter tudo aquilo com um único objeto, o qual nunca lhe custou nada, simplesmente uma herança dos pais.

O amigo não tinha problemas financeiros de nenhum tipo. Caso ele vendesse por 600 reais, talvez ganhasse realmente menos do que a geladeira valia, mas isso não lhe traria nenhum prejuízo direto. Ele, por outro lado, sentiria muito a perda de 80 reais...

Respondeu ao amigo que, no momento, não seria possível. O amigo rebateu dizendo que, como era para ele, podia até parcelar o valor. Seu amigo ignorava que há nesse Brasil pessoas que não estão em condições sequer de comprar coisas parceladas. Por fim, se despediram, e o homem seguiu, soturno.

Quase ao lado de sua casa, havia uma lotérica com aviso de prêmio acumulado e era grande a fila para apostar. Muita gente queria ganhar bilhões de reais. Muita gente que tem casa, carro e dinheiro para comprar uma geladeira queria ganhar bilhões de reais. Muita gente que já não era pobre queria ficar rica. E então, aos 80 reais que ele desperdiçara de alguma maneira, somou-se o valor de um bilhete.

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