Se a flor na sua pétala, se a pétala na sua maciez, se a maciez na sua delicadeza, e na sua cor, e na festa de formas e encantos para os olhos. (Faço pausa para respirar e ver e mirar e cravar mais preciso.) Se a graça do perfume que têm as flores, se tudo o que em um jardim é felicidade, se às formas florais juntássemos as formas musicais, nem assim os cheiros, dos mais suaves aos agrestes, nem assim as gradações de luz e sombra, do azul escuro ao vermelho inesquecível, nem assim os feitiços, das bruxas imaginárias aos laços ardilosos da natureza, teriam a graça e o movimento e a cor e a música dos teus 17 anos. Se o coral é vermelho, há quem se espante. Se as pétalas em sua alquimia, em seu laboratório e cornucópia sufocam-nos, há quem se espante. Um raio que caísse agora e nos matasse, neste exato instante em que escrevo "um raio que caísse agora...", muita gente disso se espantaria. Sem palavras, no entanto, deveríamos ficar ante esse maior espanto: um desabrochar que da flor guarda a semelhança deste verbo, desabrochar, um ser, que é uma pessoa mais importante que a preservação das florestas amazônicas, mais séria e organizada que a sobrevivência de todo pantanal, das garças às borboletas, das rãs que pulam no rio aos jacarés que passeiam com pássaros a bordo, uma senhorita mais fundamental que a sobrevivência nossa, dos chineses aos esquimós, dos mongóis aos europeus, dos negros aos caucasianos, por que disto ninguém se espanta? Escrevo a interrogação acima e este escrever envergonha-me. Porque sei que não deveria escrevê-la, porque sei que assim me exibo mesquinho e estúpido e pequeno e burro, quando apenas queria dizer o maravilhoso do meu amor por esta senhorita. Deveria haver um limite entre o sublime e o ridículo. Mas deveria ser, compreendo, mais ridículo ainda o indivíduo que respeitasse esse limite. "Daqui não passas", diria a fronteira, "ou cairás na loucura, e na absoluta idiotia". Ah, senhor guarda fronteiriço, viver só vivemos uma vez, e não vale a pena continuar no bom senso, no burocrático sensato ponderado, quando a maravilha é beber no horizonte que se descortina. Porque tenho diante de mim este sublime: Eu vejo aquela criancinha que veio ao mundo miudinha transformar-se numa jovem que põe os óculos sobre o nariz, e com a pontinha do nariz assim erguido, declara que vai estudar Filosofia. Ah, senhor guarda de fronteira, considere que a gentil mocinha sequer conhece a complexidade de Kant e Hegel, sim, mas de imediato isto desconsidere, porque ela mistura o belo e o pensar, numa fecunda intuição, e por isto mistura filosofia à poesia, sem se preocupar com os métodos pesados e distintos objetos e gêneros. E porque gosta de poesia, acha muito interessante, e original, e à altura do sonhador peito e perfil, acrescentar essa rima do pensamento livre, poesia, filosofia, sem fronteiras. Por que dessa mudança, transformação, metamorfose, mais complexa e imprevisível que a da natureza da fauna e da flora, ninguém se espanta? Por isto retomo, apenas como uma aproximação de um fenômeno mais complexo, delicado: Se o tempo parasse agora, nesta exata clara manhã. Se a orquídea fosse a mesma orquídea hoje e sempre. Se o movimento das pétalas, se as cores das macias pétalas, se as formas e os perfumes e o frescor das pétalas fossem eternas, se este encanto para os olhos fosse imorredouro, ah, nem assim a orquídea, a rara flor do campo atingiria a graça do ser que és, menina que deixas a infância. Ouço o teu riso lá fora, e isto me desperta uma contraditória afeição. O teu riso para mim é um bem que me enche de felicidade. O teu riso para outros, como agora no portão, cobre-me um véu escuro, deixa-me um pouco órfão, porque dele não sou o destinatário. Porque nem só de amor somos feitos, menina que deixou a infância. Também somos feitos de mágoa, raiva, sexo e incompreensão. De todo esse lixo e rebotalho, que não percebes, enquanto sorris e gritas ao portão. Por isto me falta a coragem de ir ver para quem sorris e gargalhas. E me consolo, a dizer-me, quem recebe o seu sorriso é incapaz de vê-la com as palavras que agora gravo. No dia do teu aniversário, pediste-me primeiro Neruda. Fiquei contente, exultei. Depois, mais prática, achaste melhor ganhar um par de sapatos. Minha resposta foi um silêncio. Os sapatos gastam-se, eu não te disse, porque talvez eu não fosse compreendido. Nada te dei. Agora, espero que ao fim destas linhas me compreendas. Porque assim te saúdo: Luanda de Angola, Luanda dos negros, Luanda de todas as raças, esta canção é o presente na força dos teus 17 anos.
|