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Crônicas
30/11/2020 - 06h23
A água e o demônio
Henrique Fendrich
 

Preso à geladeira por meio de quatro ímãs está um bilhete chamado “Dias de corte da água às 16h”. Abaixo desse título, segue-se uma lista interminável de datas que alcança até fevereiro do ano que vem - se não vai além é apenas porque ali o papel acabou. Há um intervalo de três dias entre cada data. Isto é, a água vai acabar às 16h do dia 25/11, às 16h do dia 28/11, às 16h do dia 01/12, às 16h do dia 04/12 e assim por diante. Ela acaba às 16h e só volta dali a 36 horas. Ou seja, há um dia e meio com água e um dia e meio sem água. Esse esquema já funciona há alguns meses e deve permanecer por muito tempo ainda. Se houver mudança, provavelmente será para um modelo ainda pior: um dia com e dois sem água.

A quem não mora na região de Curitiba, isso talvez pareça um roteiro de distopia, mas é verdade o bilhete na geladeira: vivemos um rodízio de água. Há inclusive amigos meus que, ao me verem comentar a respeito dessa situação, acham que deve ser apenas uma das minhas brincadeiras. É que a situação da forma que foi exposta lhes parece grave demais para não terem sido informados a respeito no noticiário.
 
De fato, a menos que tenham assistido a uma ou duas reportagens isoladas, o resto do Brasil não tem como saber o que se passa hoje em Curitiba. É bem verdade que há um assunto a dominar todos os noticiários do país, o do maldito vírus, de modo que não haveria muito espaço para dramas “localizados”, mas estou convencido de que o Brasil inteiro estaria falando sobre o problema da água se ele ocorresse, por exemplo, em São Paulo - como há alguns anos.

Bem, bem, mas calhou que dessa vez fosse em Curitiba e talvez nem aqui o problema esteja sendo tratado da forma que merecia. Acabamos de sair de um período eleitoral, mas, estranhamente, pouco ou nada foi falado na campanha sobre a situação crítica da água na cidade. Aparentemente, todo mundo, e os veículos de comunicação inclusive, acreditam que há um único culpado, ou seja, São Pedro, que por alguma razão que nos escapa decidiu não mandar para cá as chuvas a que estávamos acostumados, do que resultou o baixo nível da água nos reservatórios e, em consequência, a necessidade de um rodízio.

Não se vê matérias questionando o que é que poderia ou deveria ter sido feito para evitar que a situação chegasse a esse ponto, independentemente dos humores do santo responsável pelo clima. Tudo o que nos dizem é para evitar o desperdício, além de fazer figa para que chova bastante e assim possamos escapar de um rodízio de água ainda mais severo.

Vamos, de todo modo, nos acostumando com a situação. Naquele um dia e meio em que temos água, fazemos a nossa reserva para aquele um dia e meio em que não temos. Mesmo assim, as louças se acumulam na pia, à espera do restabelecimento da água. Banhos são adiados e tomados não na hora em que queremos, mas na hora em que há água. Houve uma exceção nos dias anteriores à eleição, quando o rodízio foi suspenso, sem motivo aparente, talvez só para que fôssemos todos bem limpinhos votar.

Quando nos vimos privados da água é que nos demos conta da coisa fantástica que é tê-la dentro de casa todos os dias. Cito Hélio Pellegrino, o poeta, o psicanalista, o observador de milagres, que escreveu há mais de 30 anos: “A cada manhã, ao abrir a torneira da pia, para lavar o rosto, presencio o milagre da água que jorra, prestativa, clara, generosa, modesta. É espantoso que haja água na torneira, a cada dia. Para que isto aconteça, é necessário que muita gente trabalhe, que muitos gestos se somem, que muitos músculos se articulem, desde a nascente da água até o metal da torneira de onde ela jorra, para desespero impotente do demônio - incapaz de anular a bondade que a faz jorrar”.

Resta descobrir por que, nos últimos tempos, o demônio tem tido sucesso na capital do Paraná.

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