É inacreditável. O presidente da República, em contraste com os poderes divinatórios que lhe permitem antever o futuro, não toma conhecimento do que se passa sob seus olhos e não ouve o que é dito à sua volta. Foi em Paris, nos jardins da residência Marigny, que Lula revelou seus dotes extra-sensoriais durante aquela entrevista que concedeu a uma ignota jornalista de ainda mais desconhecida produtora independente. Eram 10h45 do dia 15 de julho, quando ocorreu o transcendental fenômeno: o supremo magistrado da Nação, que ignorava quaisquer maracutaias, anteviu a explicação que, mais tarde, a dupla Marcos Valério e Delúbio daria aos fatos. Tudo se resumia a dívidas de campanha e Caixa 2. Madrugada alta no Brasil, o galo sequer havia cantado e ele já adivinhara tudo. Mas saber, mesmo, não sabia. Com o andamento das investigações dispomos de alguns fatos bem conhecidos e de uma explicação oficial, reiteradamente apresentada. São fatos: a) numa evidência de o quanto o capitalismo pode ser leniente e generoso, sucessivos empréstimos bancários, jamais pagos, estavam pendurados no prego da contabilidade das instituições, sem cobrança, há mais de dois anos; b) os recursos assim obtidos, em estufadas nuvens, foram chover na horta de partidos e políticos ligados à base do governo; e c) os beneficiários recebiam a grana de uma empresa particular e iam prestar reverente gratidão ao governo federal. Agora, a explicação, oficial repito, eis que recebeu a chancela do presidente: a) o tesoureiro do PT montou uma operação multimilionária para distribuir dinheiro vivo a vários partidos com o generoso intuito de acertar suas contas de passadas campanhas eleitorais; b) malgrado o aspecto sonolento, esse atilado cavalheiro, misto de gênio das finanças e alma generosa, agiu tão solitário quanto Santo Antão no deserto e conseguiu tudo o que queria como se fosse, digamos assim, o cacique da tribo a que os autores da história supõem que todos pertençamos. Como diria o ministro José Dirceu, repilo tal suposição. Dado que só a verdade pode ser igual à verdade, uma mentira, para ser boa, deve guardar a maior semelhança possível com a verdade. No caso, a versão oficial é inverossímil. Tesoureiros não agem assim e bancos menos ainda. Portanto, a conclusão lógica, sob o ponto de vista da responsabilidade maior, implica o governo ou alguém muito influente dentro dele. E sob o ponto de vista da operação financeira é forçoso cogitar de que o valor já foi ou seria recebido pelas instituições de algum outro modo. Todo mundo já negou três vezes. Agora só falta um Judas mais credenciado do que o Roberto Jefferson. Nota do Editor: Percival Puggina é arquiteto, político, escritor e presidente da Fundação Tarso Dutra de Estudos Políticos e Administração Pública.
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