A história econômica mostra que uma nação que almeje o desenvolvimento econômico e a prosperidade de seu povo deve criar um ambiente institucional onde prevaleça a liberdade de iniciativa, a defesa intransigente da propriedade e a garantia do cumprimento dos contratos. Esse sistema ideal, também chamado de livre mercado, tem a sua origem na tríade descrita por David Hume: respeito à vida, à propriedade e aos compromissos. Assim, a principal incumbência de um governo cujo foco esteja voltado para o crescimento econômico sustentado e o bem estar de seu povo no longo prazo será zelar pelo ambiente acima descrito. No Brasil, infelizmente, estamos ainda muito longe disso. O intervencionismo estatal na economia é imenso. São centenas de milhares de regulamentações, exceções, reservas de mercado, tarifas aduaneiras protecionistas, impostos e taxas às pencas, legislações trabalhista e sindical que transformam a contratação de mão-de-obra num ônus pesadíssimo e num risco incomensurável. Junte-se a isso um sistema tributário boçal, que, além de pesado e ineficiente, transforma o contribuinte em empregado do fisco, tal é a quantidade de obrigações acessórias que carrega. Enfim, tudo que o Estado brasileiro pode fazer para atrapalhar e obstaculizar a livre iniciativa, ele faz com grande presteza. Quanto ao direito de propriedade, ele já começa achincalhado desde a Constituição Federal, que o coloca subordinado à tal "função social" - uma ferramenta poderosa para o confisco e a espoliação. A falsificação e a pirataria, por sua vez, correm soltas, sem que as autoridades tomem qualquer atitude. Basta percorrer as ruas das principais capitais do país para verificar a total liberdade e impunidade com que os camelôs vendem mercadorias pirateadas, quando não contrabandeadas ou roubadas. Aliás, não podia mesmo ser de outra forma, afinal em Pindorama o próprio governo institucionalizou a sacanagem, quando, ao "quebrar" patentes de medicamentos (aquilo que eufemisticamente chamam de licenciamento compulsório), criou a "pirataria estatal". Isso para não falar da completa falta de segurança pública, que deixa a vida e a propriedade dos cidadãos à inteira mercê de bandidos. A coisa não podia ser muito diferente no que concerne aos compromissos. Ajustes de longo prazo no Brasil são como filmes de terror, com sustos e emoções do princípio ao fim. Não honrar um acordo por aqui é coisa corriqueira. A justiça é tão lenta que acaba incentivando o "calote". Já vi de tudo a esse respeito, desde empréstimos bancários não honrados onde o devedor, como por um passe de mágica, transformou-se em credor, até intervenções dos poderes executivo e judiciário nos ajustes privados. O princípio constitucional segundo o qual "todos são iguais perante a lei" (pedra fundamental do Estado de Direito) é letra morta no Brasil. Aqui os processos judiciais costumam ser julgadas não em função do mérito das questões, mas de acordo com o poder econômico das partes. Para a Justiça do Trabalho, por exemplo, os empregadores são culpados em 99,99% as causas. Os bancos não costumam ter a menor chance contra os mutuários inadimplentes e as empresas em geral são reféns do humor dos consumidores. Mas o pior de tudo mesmo é quando o Estado resolve descumprir os seus próprios contratos. Neste caso, temos a bandalheira oficial. Recentemente, veio à tona a notícia de que a Justiça Federal de Brasília havia determinado, através da concessão de medida liminar, a suspensão, em todo o território nacional, da cobrança das assinaturas nos contratos de prestação de serviço de telefonia fixa. Apontada pelo Ministro das Comunicações como uma medida justa e benéfica aos menos favorecidos (sem, entretanto, explicar como), tal decisão implicaria em "quebra" de contratos entre a Agência Nacional de Telecomunicações e os concessionários. Esses ajustes foram celebrados à época das privatizações, tendo as suas cláusulas pautado o estabelecimento dos preços ofertados. Caso esta espúria proibição prevalecesse, estaria totalmente prejudicado o chamado equilíbrio econômico-financeiro dos referidos contratos. Não é a primeira vez que isso acontece nesse governo. Problemas semelhantes já enfrentaram as distribuidoras de energia, quando a justiça, provocada pelo Poder Executivo (Ministério das Minas e Energia), determinou a mudança dos índices de reajuste previstos originalmente, o que teria causado enorme prejuízo às concessionárias. Não é raro, também, assistirmos a intervenção do judiciário e do Ministério da Saúde nos contratos privados entre as empresas de seguro médico-hospitalares e seus clientes. É o "Estado babá" desestimulando a livre iniciativa e a competição, em prol da demagogia e do assistencialismo inútil. Estes exemplos, malgrado seus "benefícios" imediatos para a população e, principalmente, para os políticos populistas que normalmente as incentivam, têm um efeito futuro devastador na economia, pois retira a confiança dos investidores, bem como qualquer possibilidade de planejamento de longo prazo. Sobre este assunto, nunca é demais lembrar Hayek, para quem "a característica que mais claramente distingue um país livre de um país submetido à arbitrariedade é a observância, no primeiro, dos grandes princípios conhecidos como o Estado de Direito. Deixando de lado termos técnicos, isso significa que todas as ações do Estado são regidas por normas previamente estabelecidas e divulgadas, as quais tornam possível prever com razoável grau de certeza de que modo a autoridade usará seus poderes coercitivos em dadas circunstâncias, permitindo a cada um planejar suas atividades individuais com base nesse conhecimento." É preciso dizer mais alguma coisa? Nota do Editor: João Luiz Mauad é empresário e formado em administração de empresas pela FGV/RJ.
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