É de me espantar visitar um país como o vosso. Logo quando vi as primeiras notícias televisivas, tive contato com um episódio que parece ser uma grande crise política. Velhos barbados e grisalhos gritando e esbravejando aqui e acolá, tribunas sendo eficientemente socadas, ânimos e orgulhos feridos, numa cena próxima a de animais selvagens postos em jaulas frente a frente, tentando alcançar uns aos outros com suas garras pontiagudas. Nunca presenciei tamanha barbárie. Que lugar é esse onde pessoas de cenho franzido, olhos esbugalhados, lábios sarcasticamente inclinados no canto, com uma praga na ponta da língua, uma injúria no céu da boca, uma idéia maquiavélica no cérebro, sangue nas mãos, pedregulho no peito, sapatos caros nos pés, cobertos por ternos impecáveis, sobrenomes de respeito, interpretam os papéis principais nas cenas do noticiário político nacional? Um completo disparate... No lugar de onde eu venho, os prédios dos governos não são cinzentos. As pessoas que lá circulam possuem um sorriso no rosto: não aquele da satisfação do poder, mas o da alegria pura do dever cumprido. Não o dever rançoso da lição de casa, o dever que nasce da simples descoberta do seu papel no mundo. Nossos governantes são imberbes. Não destemperam quando algo foge dos planos, não escondem aquilo que pensam, nem disfarçam suas intenções em palavras que não dizem realmente o que querem dizer. Eles dizem tudo, mesmo quando o que têm de dizer possa não agradar uns poucos. E tem mais, eles não sabem o valor do dinheiro. Tanto vale uma asa de borboleta quanto um anel de diamantes. E defendem a vida, acima de qualquer coisa. A vida do que quer que seja: um velhinho que anda com sua bengala na rua, um cachorro errante em uma estrada, um passarinho que tenha se desprendido do ninho, uma árvore que esteja no caminho de uma rodovia. Não trocam um ser pelo outro, não negociam pessoas, cada coisa tem o seu verdadeiro lugar. Lá ninguém fala dessas crianças. Elas quase não aparecem na tevê. Aliás, lá as pessoas raramente acompanham a vida pela tevê. Lá tudo é ao vivo, olho no olho, como é mesmo. Por isso, muito pouco do que acontece de verdade precisa ser editado. As crianças não têm vergonha de serem tautológicas. Embora seja verdade que o rei está nu, elas nomeiam o que parece ser o óbvio. Não acham fora de propósito lembrar que subir é para cima. As crianças-governantes são realmente crianças muito especiais. Só as mais sinceras são escolhidas. Elas não têm vergonhas nem medos. Fico muito aborrecida por ver que em vossa civilização as crianças não são levadas a sério. Todas as sábias palavras que saem de suas bocas, palavras muito mais puras que as nossas, visto que não foram contaminadas pelas idéias pré-concebidas, são prontamente rechaçadas: vós as tachais de ingênuas. Por que dizem realmente o que querem dizer. Imagine, comissão parlamentar de inquérito! Que coisa mais absurda. As pessoas aqui precisam ser acossadas para dizer a verdade. Ora, a verdade, coisa tão comum por lá. Como alguém se recusa a oferecê-la? Volto, volto triste. Não esperava encontrar lugar tão atrasado do outro lado do arco-íris. Um lugar em que olham para o meu povo e só enxergam um pote de ouro.
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