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Crônicas
27/08/2021 - 05h18
Velhos quintais
Rangel Alves da Costa
 

Dona Senhora abria a porta do fundo da casa e apertava os olhos em direção às nuvens. Precisava saber se vinha tempo chuvoso e logo retirar as roupas do varal. Seu Quinzé se apressava pra ajeitar um canto de cerca aberto pela meninada. Quase toda manhã era assim, pois a gurizada sempre encontrava um jeito de ir afanar as frutas maduras caídas, ou mesmo subir nos mamoeiros e goiabeiras. A mocinha Zuzu já não sabia o que fazer com suas calcinhas lavadas. Acaso estendesse no varal, era absoluta certeza de sumirem de repente, como se algum ladrão de calcinhas vivesse de olho no seu quintal. Passou a estender suas roupas íntimas na portada da janela, mas foi pior. Rosaflor, um desmunhecado do lugar, foi pego com a mão na massa enquanto tentava furtar uma vermelha com renda. O Velho Sirineu tinha no seu quintal um verdadeiro amigo. Era nele, sentado num tamborete debaixo da goiabeira, que acendia seu cigarro de palha e se danava a conversar sozinho com suas saudades. Um dia, a filha Jurema perguntou-lhe com quem tanto conversava, e logo veio a resposta: “Com sua mãe!”. Era viúvo já desde mais de dez anos. Os quintais eram assim, um outro mundo dentro do mundo-cidade. Hoje não, pois atualmente quase não existem mais quintais, apenas muros altos e muros mais baixos. Ao invés da natureza ou dos tufos de mato adiante, os olhos só avistam cimento e pontas de pregos nas suas alturas. Noutros tempos, contudo, os quintais eram como espaços sagrados, mágicos, aconchegantes. Abrir a porta do fundo e vivenciar o mundo do quintal era como se reencontrar abrindo velhos baús. Era como se deparar com as nostálgicas velharias, com pedaços do passado, com a história familiar ali presente. Nos quintais a síntese de tudo. A pequena horta (tomate miúdo, pimenta, coentro), o cantinho de plantas medicinais (boldo, hortelã, mastruço e muito mais), as árvores frutíferas, o velho banco de assentada nas tardes de sombreado e nas noites de lua grande, o tanque cimentado de lavar roupas, jarros e caqueiros com suas flores bebendo água de cuia. Num cantinho, as pontas de vaca para o menino brincar de fazendeiro. Mas talvez sejam os varais que melhor traduzam a singeleza daqueles quintais. As roupas lavadas e estendidas. As mãos catando pregadores ou amarrando anáguas e ceroulas ao varal com pequenos nós no cordame esticado. Depois de secas, as camisas de manga comprida estendendo os braços, querendo voar. Passarinhos que se espalham em cantoria no varal. A mocinha que vai chegando com cesto à cabeça para recolher a roupa limpa. E mais tarde, noutro varal, o dono da casa que chega com faca amolada. Escolhe um pedaço de toucinho e corta. Corta também a tripa gorda de porco. Não demora muito e o fogo de lenha é aceso adiante. Vai ter cuscuz, vai ter toucinho misturado ao ovo de capoeira, vai ter tripa, vai ter café batido em pilão, vai ter Sertão!


Nota do Editor: Rangel Alves da Costa é poeta e cronista. Mantém o blog Ser tão / Sertão (blograngel-sertao.blogspot.com.br).

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