| Arquivo |  | | | Litogravura Em cima e embaixo, de Escher. |
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"Se soubessem só o que vi na escuridão da noite... fiquei por vezes louco de mágoa por o não poder representar. Em comparação com isso, é cada estampa um malogro que nem sequer reproduz uma fração daquilo que deveria ser". (Escher)
Essa arte sempre igual exposta em nossos museus me entedia. Uns raros talentos pipocam de ano em ano, enquanto grandes artistas permanecem guardados em seus ateliês, por falta de apadrinhamento. Faz-me lembrar, melancolicamente, que o maravilhoso talento aplicado de Maurits Cornelis Escher nunca foi considerado arte de fato. O litogravurista holandês não forçou a barra para afirmar seu trabalho como arte. Tampouco buscou a glória que embriagou seus contemporâneos Dali e Picasso. Talvez em função disso dificilmente veremos um veículo Citröen batizado de Escher. Enquanto os cubistas, surrealistas e n-istas se esmeravam em apavorar o mundo com suas "idéias loucas" - onde se misturavam vasos sanitários, rodas de bicicletas, relógios moles sobre o Rochedo de Gibraltar etc. - mostrando nada mais que formas novas de dizer as coisas velhas (e eu os admiro por isso), Escher nos mostrava um mundo completamente inusitado. Aliás, não apenas um mundo, mas infinitos mundos. Escher era um sujeito isolado, e só o que queria era traduzir em imagens o que lhe fervia na cachola. Não estava nada preocupado com a "desconstrução da arte", objetivo ardentemente perseguido pelos revolucionários daqueles dias, e ainda hoje louvado por quem se pretende firmar como crítico, ou simplesmente "pós-moderno", essa expressão que enche a boca de muitos artistas. Escher queria simplesmente mostrar as possibilidades, seus universos repletos de magia, traduzidos basicamente como alegorias matemáticas. Em minha leiga opinião, a obra "Em cima e em baixo", de 1947, está para a arte como a Teoria da Relatividade de Einstein está para a ciência. Ninguém, senão esses dois geniais visionários poderiam conceber algo tão complexo, celestial, sensível, bonito e impossível como aquela gravura e essa teoria. Acrescente-se a tudo isso a extrema generosidade do artista, que produzia tudo em xilo e litogravura, para que as cópias pudessem chegar a todos os cidadãos da Terra, e não a um seleto grupo de bem-nascidos. Ao ignorar Escher, a crítica fez um grande desfavor à humanidade. Não o fez por pura soberba, mas por simples ignorância. Os críticos não sabiam o que dizer e o que fazer com a obra do artista. Não podiam classificar aquelas imagens extraordinárias, extremamente difíceis de digerir em sua complexidade. E o homem é um animal classificador, só se sente bem quando consegue ordenar as coisas, como se pode notar nos salões de arte. Se você não inscrever no certame um produto classificável, dentro das normas correntes do que seja a arte, esqueça, não tem a mínima chance. Se registrar a singela pintura de uma flor, zero. Mas se mandar uma flor dentro dos olhos de uma caveira, as chances são grandes! Se inscrever um borrão marrom com algumas listras pretas e algumas pintas amarelas, salpicadas de pêlos de marta e algumas placas de alumínio nos cantos, está dentro! Um quadro estilo Calderari com uma faca enfiada no meio, é vencedor na certa. Debates dos Cafundós Sejamos mais inteligentes que os medrosos críticos do passado e comecemos deste já o debate, seja para discutir a quantidade do pigmento magenta nas bordas lilases das violetas do jardim da Casa Rosada, seja para debater a relação entre a arte e o mendigo que mora sob as magníficas pilastras da Universidade, cuja pompa secular parece incólume às desgraças que rondam suas bases. Sim, abramos o debate, pois sem ele estamos mortos. E estamos, não notam? Este silêncio cheira a carniça. Isto daqui não é Paris, acreditem. É os cafundó dos Judas. Andar de bar em bar vestidos de gente chique nas noites de sexta-feira não vai nos fazer mais ingleses! Se continuarmos olhando para o que acontece em Nova York, Londres e Paris, quando vamos conseguir criar algo realmente original neste torrão selvagem?
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