O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, pode-se dizer, é um sujeito de sorte. Apesar de toda a crise política e do comprovado envolvimento do Partido dos Trabalhadores com aquele que já está sendo considerado o maior esquema de corrupção já montado (e agora, desmontado) no âmbito da administração federal, é bem possível que a oposição aborte no nascedouro a idéia de impedi-lo de concluir o mandato. Apesar de haver alguns parlamentares mais eufóricos com a idéia, há também os mais sensatos. Talvez uma minoria. A idéia do impeachment do presidente Lula cresceu após o depoimento de 10 horas de Duda Mendonça, o publicitário da campanha presidencial e de mais quatro candidaturas petistas em 2002. Duda afirmou que recebeu dinheiro "por fora", ou seja, do caixa dois, para cobrir seus custos. Dinheiro vindo do exterior para financiamento de campanhas, o que a Legislação eleitoral não permite. Dinheiro de origem duvidosa, crime para o qual a Lei do Colarinho Branco prevê penas, como a prisão, por exemplo. Dinheiro que poderia ser, inclusive, oriundo do crime, mais especificamente, do narcotráfico, segundo ilação da deputada federal Denise Frossard (PSDB-RJ). Caso o presidente fosse impedido de exercer o mandato, ao contrário do que ocorreu no impeachment de Fernando Collor de Mello, o vice, José de Alencar, também estaria impedido, já que em tese, teria sido beneficiado pelo mesmo esquema de financiamento ilegal. Nesse caso, a presidência cairia no colo do presidente da Câmara, Severino Cavalcanti (PP-PE). Já pensou o Severino embalando a presidência? Dá até arrepios. Não o fato de ser um severino na presidência (conheço muitos e corretos), mas sim o fato de ser este Severino, que vai à televisão e anuncia, intempestivamente, estar "preparado" para assumir a presidência do Brasil. A oposição responsável entende que Severino Cavalcanti seria o maior retrocesso que o País viveria desde a abertura política. Quando ele abriu a boca para dizer que "estava preparado", a luz vermelha acendeu no Planalto e na planície. Sabe-se lá o que o campeão em nepotismo poderia fazer com o Brasil em pouco mais de um ano de Governo. Poderia até se candidatar à reeleição; propor um pacto de governabilidade, como fez Itamar Franco. Poderia surpreender e ser um presidente razoável, já que o atual governo não implantou nenhuma política pública consistente, não inovou na administração e não tem projeto para o Brasil, embora tenha prometido isso durante 25 anos. Mas daí a arriscar, nem os mais irresponsáveis ousariam. As variantes e "condicionantes" com Severino na presidência são muitas, incalculáveis. Torna-se impossível avaliar o que aconteceria com o Brasil, tendo o presidente da Câmara dos Deputados na presidência da República. Imaginem a cena: vovó subindo a rampa do Planalto para assumir o recém-criado Ministério da Terceira Idade, extinta Previdência Social; um sobrinho nos Transportes; dona Severina na Secretaria da Mulher; o filho na Fazenda, para cultivar o latifúndio, e por ai vai. E ninguém sabe aonde o Brasil pararia com a sanha "empregatícia familiar". Quando Collor foi impedido de concluir seu mandato, o Brasil vivia outro momento: tinha na presidência do Congresso um peso-pesado da política brasileira: o Doutor Ulysses, de histórica resistência ao regime militar; um homem com suas digitais impressas na luta pelos ideais democráticos. Era o "Senhor Diretas". Então, se Itamar não desse certo, ele assumiria a presidência, o que segundo declarações do presidente impedido, foi combinado. Mas o Doutor Ulysses morreu antes de poder realizar seu sonho de governar o Brasil. Naquela época, em que pese a traição de vários parlamentares que compunham a base aliada do ex-presidente, segundo ele mesmo já acusou em depoimentos, artigos e num livro publicado em 1999, havia uma mobilização nacional contra ele e aliada ao Congresso. E não uma série de denúncias envolvendo deputados e senadores divididos, hoje, entre defesas pessoais e de bancadas, nas reuniões do Conselho de Ética da Câmara e em CPIs que investigam tanto o Executivo, quanto o Legislativo. Era momento do reencontro com as liberdades civis, individuais e coletivas, era o tudo ou nada do processo democrático, a estabilização de nossa condição como República, tal qual expresso na Constituição Federal. No Brasil atual não há margem para este tipo de golpe. Um golpe branco. Legítimo, segundo a legislação e a vontade popular da época, mas um golpe na governabilidade. Os próprios parlamentares sabem disso. Reconhecem, principalmente o desgaste do parlamento nos episódios do comprovado "mensalão" e da subtração de recursos públicos, via indicações políticas feitas por deputados e senadores, fora outras artimanhas aquém da ação política. E dizem, como afirmou o deputado ACM Neto (PFL-BA) que "somente a vontade popular, o clamor das ruas", poderia levar o presidente a enfrentar um processo de impedimento e quem sabe, de cassação dos direitos políticos. Some-se a esse resumo de fatores que desestimulam a cassação do presidente Lula, quem diria, a entrevista do ex-presidente Fernando Collor ao "Fantástico" de domingo, 15 de agosto. Em seu depoimento, Collor, hoje um executivo do grupo Arnon de Mello, candidato derrotado no primeiro turno ao governo de Alagoas, admitiu que pensou em suicídio ao saber que o Congresso aprovara a abertura de processo de impeachment, que prevê o afastamento imediato do exercício do mandato. Vejam só! Ironia do destino. Não vou dizer que em caso de impedimento o presidente atual cometesse suicídio, mas ouso afirmar que essa sombra paira, após a entrevista do ex-presidente, sobre as mentes pensantes dos opositores mais responsáveis. Não sei se o presidente tem esse perfil, mas imaginem a cena enfrentada por Collor, tendo agora como ator o presidente que emergiu da classe operária. Alarguem a imaginação e visualizem o principal mandatário do País enfrentando um "fora Lula", uma passeata com 500 mil estudantes nas ruas das capitais dos dois principais Estados do Brasil. Sofram mais ou pouco (ou gozem) com a idéia da chegada de um ônibus repleto de "caras pintadas" ao Congresso Nacional, para acompanhar a votação de um processo de impeachment contra o presidente eleito que mais votos teve na história do Brasil, mais de 58 milhões de sufrágios. Façam uma idéia se Lula conseguiria deixar o Planalto pela porta da frente e olhos nos olhos dos brasileiros, como fez Fernando Collor, embarcar em um helicóptero e entrar para a história. Se suportaria, com seu impedimento, ver o fim do partido que construiu com o apoio dos intelectuais brasileiros e de boa parte da elite que hoje ele diz na TV, que não vai vencê-lo. Não se trata de transe hipnótico, mas vislumbrem o ex-presidente operário retornando ao antigo diretório nacional do PT, em São Paulo, circulando pelos corredores vazios e salas abandonadas. Pintem a cena. Imaginem. Pensem nisso com muita seriedade no presidente que levou 61 dias para vir a público dar explicações, que não assume as responsabilidades de: ser o mandatário maior; ter escolhido e montado seu ministério; ter introduzido um parlamentarismo branco (ou negro, depende da visão de cada um); não ter iniciado nenhum programa sólido para reverter as desigualdades. E que agora perde popularidade a cada dia. Lula teria estrutura para enfrentar essas hipotéticas situações? Tão grande quanto o temor de a presidência cair no colo de Severino Cavalcanti, a oposição pensa nas repercussões que um possível súbito "desaparecimento" do presidente Lula poderia provocar. Avalia-se, nesse momento, a elevação de um presidente desgastado por atos de corrupção em seu Governo à condição de mártir de um povo desesperado e desesperançado. O brasileiro, por sua cultura, é solidário, tem um coração enorme, um cordial, como disse Sérgio Buarque de Holanda. Sofre com a morte porque não consegue vê-la como uma passagem, mas como um fim. Foi assim com Getúlio, o pai dos pobres. Não vou citar Tancredo, Teotônio, Covas, Brizola e mais recentemente, Miguel Arraes, só para lembrar alguns, porque estes escreveram histórias consistentes. Na morte, o brasileiro se torna melhor, o bandido vira mocinho da história e o covarde assume o papel de sujeito heróico. Um sujeito, sem dúvida, de estrela. Nota do Editor: Vito Diniz é jornalista.
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