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Opinião
30/01/2022 - 06h09
Uma história que sempre se repete
Dartagnan da Silva Zanela
 

Rubem Braga, em seu livro “A traição das elegantes”, nos conta uma memória sua, dos seus tempos de guri. Conta-nos que, num certo dia, quando estava indo para a escola, encontrou seus coleguinhas fazendo o caminho inverso. Vendo isso, perguntou-lhes o que aconteceu e estes, efusivamente, cantarolando, diziam: “Rui Barbosa morreu! Rui Barbosa morreu! Rui Barbosa morreu”!

Rubão diz-nos que, em sua meninice, não sabia quem era esse tal de Rui Barbosa, mas lembrava claramente das falas dos adultos sobre ele. Uns diziam que era o homem mais inteligente do Brasil, grande patriota e que tinha assombrado o mundo com as luzes de sua mente. Porém, muitíssimos diziam que ele era um vendido [que ele tinha se colocado contra a vacinação obrigatória], que não valia nada e assim por diante.

Bem, todos nós hoje sabemos quem é Rui Barbosa e temos uma clara noção da sua grandeza.

Se deixarmos as memórias de Rubem Braga de lado e voltarmos um cadinho no tempo - na verdade um tantão - e irmos diretamente para a Grécia Antiga, veremos que, por exemplo, Sócrates não teve assim um fim que cause inveja a ninguém.

Lembremos que os atenienses, instigados por Mileto, condenaram-no a beber a cicuta, a tirar a própria vida, porque ele aporrinhava a todos com suas socráticas ironias sem fim, porque ele [supostamente] corrompia a juventude com seus questionamentos inapropriados, porque demoliu os consensos hipócritas que imperavam na polis, porque [hipoteticamente] ameaçava as instituições da cidade-Estado, porque teria formado uma seita que ameaçava o culto dos deuses vigentes e toda aquela lengalenga que todos nós já estamos cansados de saber, mesmo que não tenhamos aprendido nada com isso.

Pois é. Sócrates morreu e seus sicários, e muitos incautos da sua época, se rejubilaram com seu fim.

E o que dizer de Platão que apoiou um tirano de Siracusa, Dião era seu nome. Como todos nós sabemos o final de sua, como direi, aventura política, não deu muito certo não. Como dizem os guris, “deu ruim”. Mas sua obra ficou, porque ela era e é maior que seus tropeços e fracassos.

E quanto a Aristóteles? Bah! Quando Alexandre Magno, seu ex-aluno, foi para terra do pé junto, iniciou-se uma perseguição sinistra movida por um sentimento antimacedônico raivoso [ao estilo “ódio do bem”]. Por causa de sua ligação com o imperador Macedônico, Aristóteles teve que vazar de Atenas e foi para Cálcis, na ilha Eubeia, onde morreu, ostracizado. Isso mesmo! Ele foi cancelado. Exilou-se, dizendo que não iria permitir que os atenienses pecassem duas vezes contra a filosofia. Bastava o que haviam feito com Sócrates.

Saindo da Grécia, e vindo diretamente para a Terra de Vera Cruz, iremos dar de cara com um tal de Vieira. Padre Antônio Vieira, o imperador da língua portuguesa, segundo o poeta português Fernando Pessoa.

Bem, como todos já podemos imaginar, a vida do nosso patrício também não foi nem um pouco doce. Conspirações contra ele abundaram, acusações levianas não foram poucas; inclusive teve de responder a um processo junto ao Tribunal do Santo Ofício que, ao final, acabou sendo arquivado. Ele terminou seus dias na Bahia, doente, sem poder escrever de próprio punho. Próximo aos finalmente, perdeu a sua poderosa voz.

Se zarparmos, agora, da Bahia, e ficarmos ziguezagueando pelas turbulentas águas da história, iremos dar de cara com vários casos similares aos de Rui Barbosa, Sócrates, Platão, Aristóteles e do venerável Padre Vieira e, em todos, encontraremos uma nota, um ponto em comum, que é o peso da mendacidade do dia a dia que não mede esforços para calar e vilipendiar todo aquele que esforça-se para elevar sua cabeça acima dos plúmbeos ares que sufocam a mente e a alma humana.

Isso mesmo. Uma das coisas que marcam o dia a dia de todas as épocas, sem sombra de dúvida, é a mediocridade e, junto com ela, as picuinhas que brotam no coração humano e passam a despejar o seu pólen pútrido pelos quatro ventos. Porém, a força das picuinhas apenas se expressa na efemeridade do momento. Quando a efemeridade dos dias passa, elas, as insídias e futricas, fenecem e, com o tempo, desaparecem.

Ora, onde estão as maquinações que foram fomentadas em torno de Rui Barbosa? Onde estão os mexericos que faziam a respeito de Sócrates? Onde se encontram os buchichos contra Platão e as perseguições perpetradas contra Aristóteles? Qual foi o lugar reservado às conspirações que foram armadas contra a pessoa do Padre Antônio Vieira? Com toda certeza não é o mesmo que é ocupado pelas obras deles. Obras as quais procuravam chamar a atenção dos parvos da sua época - estivessem estes investidos de poder ou não - para o rosário de equívocos que eram suas vidas.

Agora, quando essas almas aquilatadas morrem, gradativamente, suas obras, cada uma ao seu tempo, começam a expandir a sua influência e ampliar o seu poder de ação e, isso se deve, por uma razão: da mesma forma que as almas aquilatadas partem dessa vida, as medíocres um dia também encontram o seu momento derradeiro e, com eles, vão-se as picuinhas e impropérios que vertiam de suas vísceras inundadas de caprichos e ressentimentos.

E essa impostura manifestada por muitos, em vários momentos da história, sinaliza para um terrível problema que, em certa medida, afeta a todos - uns com mais intensidade, outros com menos - que é o fato de que, muitas vezes, muitíssimas pessoas leem uma obra (quando leem) não com os olhos, mas sim, com o fígado. Aí meu amigo, não sai nada que preste mesmo. Nadica de nada.

Pior. Incontáveis vezes, não poucas almas, confundem as picuinhas do dia a dia com a obra de um escritor ou de um filósofo, tendo em vista que o horizonte de percepção e de consciência desses indivíduos, infelizmente, não consegue elevar-se minimamente acima dos sulfurosos ares da mediocridade reinante, seja essa aleivosia midiatizada ou não.

Por isso, é tão importante, como nos ensina Isaías, o Anacoreta, que examinamos todo dia, de forma atenta, o nosso coração, perguntando: que paixões existem nele? Qual o poder dessas ditas cujas sobre nós? Qual a amplitude desse poder degradante? Tal exame é imprescindível porque, frequentemente, tais paixões, fantasiadas com toda ordem de justificativas, sempre acabam deixando uma e outra semente nefasta em nossos átrios e ventríloquos.

Abre parêntese: por essa razão, também e principalmente, é tão importante rezarmos por essas figuras, sejam elas quem forem porque, definitivamente, elas não sabem o que dizem, muito menos o que fazem. Fecha parêntese.

Isso posto, torna-se claro e cristalino que, com o passar dos anos, as gerações vindouras acabam tendo a felicidade de poder ter acesso a obra dos gigantes, limpas da imundice passional do momento. Foi assim com inúmeras figuras no correr da nossa história e sempre será, porque, como bem nos ensina Santo Tomás de Aquino, a verdade é filha do tempo.

Quanto à obra do finado filósofo Olavo de Carvalho, o tempo dirá, mas, algo me diz, que a resposta que será dada por ele, pelo tempo, irá desconcertar incontáveis línguas maldizentes.

Por fim, para a sorte dos maldizentes, existem as redes sociais para que não tenham que ficar guardando toda essa bile que, se guardada for, pode terminar causando uma baita gastrite nervosa, não é mesmo?


Nota do Editor: Dartagnan da Silva Zanela é professor e ensaísta. Autor dos livros: Sofia Perennis, O Ponto Arquimédico, A Boa Luta, In Foro Conscientiae e Nas Mãos de Cronos - ensaios sociológicos; mantém o site Falsum committit, qui verum tacet.
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