Professores, também não. E num mundo de tanta criatividade para corrupção, proponho corromper a mesmice da narrativa. Faz parte da natureza humana contar histórias e reinventar mitos. Histórias reais ou não isso é o que menos importa quando pensamos em como nos tornarmos menos repetitivos superando nosso próprio estilo na medida em que ele se torna vicioso. Confesso, logo de início, que as idéias que serão apresentadas não são exclusivamente minhas. São inspiradas no livro Gramática da Fantasia, de G. Rodari(*), que nos adverte: "Todos os usos da palavra a todos". Isso parece um bom slogan, sonoramente poderia pertencer a qualquer partido político, ou a nós como escritores. Soa e ressoa à democracia. Não somente porque todos nós potencialmente podemos ser artistas da palavra, mas também porque ninguém é escravo de velhas crenças. Há sempre um espaço para reagir e partir em busca da liberação que a palavra pode proporcionar. Rodari atira a primeira pedra em busca da criatividade e comenta: "Uma pedra lançada em um pântano provoca ondas na superfície da água, envolvendo em seu movimento, com distâncias e efeitos diversos, os golfões, as taboas (plantas aquáticas) e o barquinho de papel". E numa belezura analógica descreve os movimentos e os efeitos produzidos pela pedra: essa se precipita, agita algas e lulas em todas as direções assustando os peixes (e que peixes!). "Quando toca no fundo (difícil estimar a profundeza do pântano quando político), revolve a areia, descobre objetos ali esquecidos, desenterrando uns e recobrindo outros". Que mal há? Nas profundezas, não raro, há peixes que gostam de pizzas portuguesas, hot-americanas, venezuelanas, entre outras. Mas voltemos à citação, que prometo não mais interferir com bobagens que insistem em traspassar minha mente poluída. A pedra lançada causa-nos impactos, "reações em cadeia, agitando em sua queda sons, imagens, sonhos analogias, recordações, significados", dos que falam a mais e dos que pensam a menos. Onde queremos chegar? À esperança. Aos nossos objetivos e às pedras que lançamos, para que não encontrem leitores passivos, prontos a aceitar quaisquer argumentos, mesmo os ditos de especialistas de plantão. Mas possam renovar experiências, reavivar memórias, rejeitar os mistificadores. Acatar, porém, as fantasias populares, porque estas fazem parte da história. Relacionar e dissociar, aprovar e criticar, construir e destruir, dar asas ao nosso inconsciente, porque em nossa mente há espaço pra tudo. Por outro lado, a pedra bem lançada provoca complicações pelo fato que os sujeitos por ela atingidos não assistirem passivamente às representações de conformidade e conformismo, mas intervêm continuamente. Podem, por exemplo, recuar, evitar o alvo ou aceitar o desafio do confronto. A expressividade, porém, não provém de procedimentos automáticos, mas da racionalização, ou seja, da nossa capacidade de transformar o movimento incontrolado da pedra em uma direção consciente. Em outras palavras, o automatismo deve ser continuadamente renegado para que a tendência imaginativa submeta-se de forma necessária à sintaxe e à estética. Não pretendo esgotar as idéias de Rodari e nem as minhas próprias, nem creio que tenho meios artísticos, semióticos ou intelectuais para tanto nos limites desse espaço. Mas a exploração da palavra como "pedra" (sua simbologia) e o seu lançamento evocam imagens e reflexões. Devemos, nesse sentido, aceitar signos e significados diversos e estranhas aproximações? Ou nos abandonar às caprichosas imagens a priori que recebemos entre o hoje da mídia e o ontem da história? *** Afinal, não somos artistas. Ou somos? (*) RODARI, G. A pedra no pântano. In: Gramática da fantasia. São Paulo: Summus, 1982. p. 9-17. Nota do Editor: Iracema Torquato é Professora de Expressão oral e escrita da Unesp/FC/Bauru.
|