As linguagens, enquanto formas de expressão do comportamento humano, seguem uma ordem, um curso. Dessa idéia nasceu o termo Discurso. Falo discurso num sentido mais científico e não naquele que é utilizado por políticos, quando fazem pronunciamentos à população. O filósofo francês, Michel Foucault¹ atentou para o fato de que a ordem dos discursos é estabelecida pelas Instituições. As instituições são criações políticas que o homem julga necessárias para o desenvolvimento organizado da espécie, ou seja, as civilizações. Um dos instrumentos e talvez o principal deles a viabilizar a existência das civilizações foi a Língua, através da linguagem oral e escrita. A Língua, precedida pelos gestos rudimentares, foi desenvolvida por todos os povos do planeta, muito embora alguns deles não tenham utilizado a escrita com tanto interesse e talvez por isso tiveram seu espaço tomado por aqueles que viram na escrita uma forma de poder. Porque a escrita tem o poder documental enquanto que a oralidade deixa-se apagar. Um dos objetivos da Língua foi a necessidade de comunicação, mas como ela por sua natureza é padronizadora, serviu e ainda serve para ordenar e padronizar conceitos, idéias e opiniões de grupos sociais. As chamadas ideologias. Para entender isso, basta observarmos que o que estimulou a vida em grupo foi a necessidade de comunicação, de entendimento e de cooperação. Então por que não vivemos numa democracia pacífica? Resposta: o homem possui uma natureza psicológica dotada de sentimentos e sensações que sente, busca ou procura não sentir (ciúme, vaidade, dor, alegria, amor, ódio, gozo, entre outros). Esses sentimentos apresentam-se em cada sujeito de forma e dosagem individuais porque dependem da vivência social de cada um. É essa constituição que permite a construção de nossas interpretações e nossas ações. Reportando-me para a História das Civilizações, acredito que essa constituição psicológica dosada de sentimentos levou à hierarquização das relações sociais. E questiono: essas sensações justificam a existência do poder a todo custo e a corrida ao capital que o sustenta?! Estudando um pouco de Lingüística descobri que as palavras possuem uma estrutura dotada de significante (o símbolo, a parte material escrita ou acústica) e um significado (a parte que está nas idéias, na compreensão psicológica dos sujeitos)². Pois é no âmbito das idéias que existe uma movência, ou seja, um movimento que permite aos significados o que chamamos de interpretação (individual ou coletiva). Apesar da Língua parecer uma coisa estática (os dicionários e as regras gramaticais aparentam isso), ela é movimento, transformação e história porque ela é utilizada por sujeitos dotados de sentimentos e que convivem em determinados grupos sociais com interesses impostos pela convivência hierárquica em toda sua plenitude. As várias interpretações de um mesmo fato nos atestam isso. É fácil saber como tudo isso afeta os sujeitos. Basta observarmos a forma de vestir, de se relacionar, de encarar situações, de emitir opiniões. Porque toda forma de expressão é discurso, é dizer. Até, e às vezes principalmente, o silêncio. Para Eni P. Orlandi³, em toda forma de expressão dos sentidos acontece interpretação. Se a Língua permite a interpretação feita por sujeitos constituídos de sentimentos e ideologias, pressinto que cada um interpreta os fatos como quer, pode e lhe é conveniente porque o faz sentindo, buscando ou fugindo de sensações que o constituem. As ideologias, as formas de interpretação social, estão em todas as esferas, nos padrões de comportamentos, de estética, de opiniões, de expressões, num planeta globalizado pelo avanço tecnológico dos meios de comunicação e cada vez mais fragmentado, se não marginalizarmos as diferenças. Por isso, quanto mais nos deixamos seduzir pelos padrões globais que atendem a interesses de grupos mais nos entenderemos menos. ¹ - FOUCAULT, Michel. In A Ordem do Discurso. São Paulo: Edições Loyola, 1996. ² - SAUSSURE, Ferdinand de. In Cours de Linguistique Générale. Paris: Payot, 1986. ³ - ORLANDI, E. Puccinelli. In Interpretação: autoria, leitura e efeitos do trabalho simbólico. Petrópolis: Vozes, 1996.
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