Finalizada a apertada votação no Congresso americano (Senado: 55 X 45 e Câmara: 217 X 215) em que foi aprovado o acordo de livre comércio entre os Estados Unidos, a República Dominicana e os países da América Central (DR-Cafta), em breve os produtos dos países participantes poderão ingressar nas demais partes do acordo sem tarifas e com mais liberdade para a prestação de serviços - pois não há tarifas para a prestação de serviços. A aprovação ensejou análises de alguns dos mais prestigiados meios de comunicação do Brasil, segundo as quais a Alca (Área de Livre Comércio das Américas), agora poderia voltar a fazer parte da estratégia de política comercial americana e da brasileira. Ledo engano. Os acordos assinados pelos Estados Unidos até o momento (Canadá, México, Israel, Jordânia, Cingapura, Marrocos, Barein, Chile, Austrália e DR-Cafta), embora objetivem claramente o incremento do comércio entre as partes, guardam nas milhares de páginas que os embasam regras claras relacionadas ao respeito à propriedade intelectual e às legislações trabalhistas e ambientais, a compras governamentais, a investimentos... Infelizmente, por falta de prioridade e planejamento, o Brasil simplesmente não pode concordar com a maioria delas. De nada adianta avançarmos num acordo como o da Alca, se tivermos problemas sérios na sua implementação. Isto pode ser muito pior do que não negociar, uma vez que infringir as regras estabelecidas pode dar margem a processos complicadíssimos de retaliações cruzadas, que só tendem a nos prejudicar. Por essa razão, a posição do governo brasileiro é clara: temos interesse em avançar nas negociações para a formação da Alca desde que elas restrinjam-se a questões substantivas de acesso a mercados para produtos agrícolas e não-agrícolas. Os outros temas até podem entrar no bojo do acordo, mas de maneira tangencial e sem que se tenha de observá-los como condição primordial para o desenvolvimento do comércio. Esta posição não foi definida por mero capricho dos formuladores da política comercial do Brasil, mas por questões lógicas e óbvias. Como é que podemos avançar numa negociação como a da Alca - ou qualquer outra - se as políticas preparatórias internas para o aumento da nossa competitividade em questões relativas a marcos regulatórios, infra-estrutura, pesquisa e desenvolvimento, reformas e capacitação de mão-de-obra não estão sendo adotadas da maneira precisa e emergencial que a situação exige? Há 66 projetos de lei parados no Senado e outros 68 na Câmara. Todas as atenções estão voltadas para as CPIs, as cuecas recheadas de dólares e o grande talento dramático dos nossos representantes no Congresso. É crise atrás de crise atrás de crise... É por essas e por outras que o momento é de colocar a casa em ordem, de modo que possamos sustentar e incrementar os crescentes saldos na balança comercial que desfrutamos com os Estados Unidos, nosso maior parceiro. Segundo dados do Ministério das Relações Exteriores, que, diga-se de passagem, diferem dos do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior brasileiro e dos do Departamento de Comércio dos EUA (quem entende?), nos primeiros seis meses do ano as vendas do Brasil para o mercado americano aumentaram 23% em relação ao mesmo período do ano anterior e chegaram a U$ 10,7 bilhões. Além disso, faz-se mister atentar para um benefício que nos é concedido há mais de trinta anos, pelo qual podemos exportar alguns produtos para mercados como Estados Unidos, União Européia e Japão sem pagar tarifa. E isto não tem relação alguma com as negociações da Alca ou da OMC. O benefício está em vigor e aumenta em termos de volume de produtos, a cada revisão anual. Mais de três mil produtos estão incluídos na lista que os Estados Unidos concedem ao Brasil e apenas uma pequena parte é efetivamente aproveitada pelos exportadores brasileiros. Na atual conjuntura, uma pressão para a retomada e posterior concretização da Alca seria irresponsável e imediatista. Muito mais prudente e estratégico é continuar a envidar esforços para se construir uma agenda positiva de desenvolvimento, ancorada em projetos sérios de redução de carga tributária, de combate à pirataria e ao contrabando, de modernização de rodovias, hidrovias, portos e aeroportos e de incentivo às exportações, por meio de ações concretas de desburocratização. E, principalmente, que se deixe o empresário brasileiro livre para inovar, pesquisar, produzir e vender. Nota do Editor: Fabio Rua é gerente de Relações Internacionais da Amcham Brasil (Câmara Americana de Comércio) e co-autor dos livros "O Brasil e os Grandes Temas do Comércio Internacional" (Editora Aduaneiras/2005) e "Alca: Riscos e Oportunidades" (Editora Manole/2003).
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