Não, leitor, não se espante. No Brasil é assim. Quer ver? Cometem-se, dizem, alguns milhões de abortos por ano. Solução para a chacina? Encarregar o governo de executá-la. Falta dinheiro para o futebol, para o esporte olímpico, para os hospitais. Solução? O governo cria um joguinho e toma dinheiro dos trouxas. Feito isso, transformado o país numa sinecura em que se institucionalizaram as mais criativas maneiras de ganhar dinheiro com a esperança dos miseráveis, por um triz não se legaliza toda a jogatina. Não é fantástico? Reputa-se "hipócrita" tanto a legislação que penaliza o aborto (porque ninguém a faz cumprir) quanto a que discrimina certas modalidades de jogo (porque se aposta em outras). Ora, ora, Diógenes de Oliveira, digo, Delúbio Soares também pensava assim a respeito do Caixa 2. Hipócrita, para mim, é o raciocínio segundo o qual a oficialização do delito, ou da esbórnia, transforma o erro em virtude e, obviamente, os virtuosos em tolos. O Estatuto da Criança e do Adolescente define como crime "fornecer, vender, ou dar para transportar, ainda que inadvertidamente", bebida alcoólica a menores. Malgrado a lei, a mais desatenta passagem por algum dos "points" da madrugada porto-alegrense, freqüentados por jovens cada vez mais jovens, evidenciará, no teor alcoólico que dimana das calçadas, o descumprimento da legislação. Quem já tentou acionar as autoridades se deparou com um jogo de empurra entre o Juizado de Menores, as polícias e os Conselhos Tutelares. Quem sabe a solução esteja, também, em atribuir ao governo a venda de bebidas alcoólicas às crianças? É o que pretendem, em número crescente, os defensores da legalização das drogas e de seu comércio. Adotam como argumento principal "a inutilidade da repressão ao tráfico", que só tem servido para "enriquecer o submundo do crime". Por idênticos motivos sugiro, então, a esses iluminados legisladores de grêmio estudantil, a "regulamentação dos seqüestros". Com ela, o Estado assumiria a custódia dos seqüestrados e os seqüestradores passariam a pagar impostos, obtendo-se inegáveis ganhos tributários e de segurança. E, por oportuno, tendo em vista a tranqüilidade geral da nação, legalizamos a corrupção. Os mercados dormirão em paz e, com os tributos estabelecidos na formalização, em vez de perdermos cem por cento do que nos levam conseguiremos recuperar pelo menos uma boa terça parte. São tolices que me fazem lembrar Tito Lívio, sobre a Roma de seu tempo: "Chegamos a um ponto em que já não podemos suportar nossos vícios nem os remédios que os poderiam curar". Nota do Editor: Percival Puggina é arquiteto, político, escritor e presidente da Fundação Tarso Dutra de Estudos Políticos e Administração.
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