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Contos
20/12/2022 - 06h19
Aquelas palavras escritas
Deyse Felix
 

Ainda me lembro do Dia dos Namorados, em que recebi um livro de poesias escritas por Vinicius de Moraes. Quem me deu foi o meu namorado que, à época, fazia engenharia. Ele era uma pessoa maravilhosa, lia muito, tinha poucos amigos, porém todos seletos. Nós nos dávamos muito bem, íamos a teatro, cinema, festas e passeávamos por lugares que não conhecíamos.

Após a sua formatura, seu pai lhe presenteou com uma viagem à Europa. Naqueles trinta dias ele viajou por vários países. Na Holanda, ficou sabendo que o país oferecia seis bolsas de estudo para engenheiros brasileiros. Assim que retornou da viagem, foi direto ao Consulado da Holanda no Brasil, e fez sua inscrição. Logo soube que ganhou a tal bolsa, como também ficou sabendo que foi o único a solicitá-la. Não há divulgação de coisas desse tipo, neste país.

Assim, ele foi para a Holanda e ficou por lá durante um ano. Nós trocávamos correspondência por todo o período. Ele até me contou que quando voltasse ao Brasil, seria imediatamente admitido por ótima empresa de saneamento e realmente foi.

Durante o seu curso de aperfeiçoamento em Amsterdã, ele conheceu uma japonesa, com quem acabou se casando aqui no Brasil. Após dois anos, ele ficou viúvo porque no parto ela morreu e lhe deixou uma filha. Não passou um ano e ele se casou com uma alemã. Foi pai pela segunda vez, também de uma menina. Esta segunda esposa tinha um gênio muito forte e com ele não deu certo. Três anos foram o bastante para estarem juntos, o que redundou na separação do casal. Eu sempre ficava sabendo dos acontecimentos por telefonemas rápidos e pelas poucas vezes que nos encontrávamos em finais de tarde.

O tempo se passou e um dia recebi um telefonema dele. Sua maneira de falar estava estranha. Queria me ver e eu fui ao seu encontro. Relatou de novo tudo o que eu já sabia sobre seus mal sucedidos casamentos. No meio da conversa ele me perguntou: - Você ainda tem aquele livro de poesias que lhe dei naquele dia dos namorados? - Eu lhe respondi que o guardava com carinho. Daí, eu resolvi fazer a ele uma pergunta que foi: Você se lembra do que escreveu na primeira página em branco do livro?

- Claro! - Eu escrevi ...que, como na minha, possam cristalizar na sua memória os nossos momentos. É incrível como aqueles anos de nosso singelo namoro marcaram a minha vida. Depois tudo deu errado e eu estraguei tudo casando com duas pessoas que nada significavam para mim, hoje analiso. Eu só vivo para trabalhar porque meus compromissos são grandes, duas filhas para cuidar. Não tenho ninguém para conversar como nós conversávamos. No fundo, eu não tenho nada.

- Mas você tem suas filhas!

- Minhas filhas são insuportáveis e eu, para elas, devo ser também assim. Há muito queria dizer tudo isto para você, e reconheço que é um desabafo. Minha amiga, você sabe que nunca me queixei de ninguém e de nada. E hoje nem peço nada para você, porque sou, “estou” um velho chato e nada mais. Somente me prometa que você continuará telefonando para mim, enviando seus cartões lindos de festas para amenizar meus dias e, de vez em quando, me acompanhar num chope, promete?

- Sim, prometo, meu querido amigo.

Notei que seus olhos se encheram de lágrimas, mas fiz que não vi.

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