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Opinião
14/09/2005 - 17h22
Bagunça fundiária
Xico Graziano
 

Uma verdadeira anarquia jurídica atrapalha o ambiente da produção rural. Como se não bastassem as dificuldades inerentes ao agro, o direito de propriedade sobre a terra, no Brasil, é incerto e discutível. Coisa medieval.

A Lei de Terras, de 1850, estabeleceu os marcos do capitalismo no campo, regulamentando a compra e venda da propriedade. Os domínios privados sobre o território puderam ser registrados, denominando-se, por exclusão, de "devolutas" as terras de ninguém. Um século e meio depois, em plena era pós-capitalista, imensas porções do território nacional continuam sem dono. Ou, pior, com vários donos!

Atentem para os números. O Brasil mede 850 milhões de hectares. Mas o cadastro do Incra, mesmo contando as terras griladas, de discutida titularidade, aponta apenas 415 milhões de hectares nos imóveis rurais, menos da metade do país. Cadê o restante?

Sabendo-se que cerca de 20% do território estão ocupados com cidades, parques florestais e reservas indígenas, lagos etc., pode-se supor que as terras devolutas ultrapassem 300 milhões de hectares, 35% do total. Um absurdo.

A precariedade da estrutura agrária é o nascedouro da violência no campo. Aqui está a prioridade da política fundiária. Existem oito grandes fragilidades a serem enfrentadas imediatamente pelo poder público. Primeiro, a discriminação das terras devolutas. Talvez um prazo, de cinco anos, fosse necessário e suficiente para encerrar esse infindável assunto, carregado de eternas suspeitas.

A esquerda agrarista sempre lutou contra a regularização fundiária. Argumenta que na ocupação da Amazônia, ocorrida durante o período militar, se privilegiou interesses oligárquicos. Deve ser verdade. Quantos pecados, afinal, não se escondem na História? Reparem-se os erros, mas que haja um final para esse processo, conforme ocorreu nas grandes nações. Senão, continua a barbárie. As mortes, idem.

O segundo item da agenda refere-se às áreas indígenas. Há quem conteste a imensidão dos parques da Funai. Trata-se de posição minoritária. O grande problema, criado recentemente, reside na tentativa de arrecadação de terras, como no Mato Grosso do Sul, onde se pratica a agropecuária há décadas. O argumento dos antropólogos oficiais é de que, no passado, foram territórios indígenas. Ora, se for assim, tudo será deles.

Em terceiro lugar, encontram-se as áreas dos remanescentes de quilombos. A Constituição de 88 assegura, aos quilombolas, o direito às terras que ocupam. Nada contra. Em várias partes do país, entretanto, grupos negros passaram a reivindicar terrenos de supostos antepassados, entrando em conflito com produtores rurais já estabelecidos.

Em quarto, legislação do período autoritário estabelece uma faixa de 150 quilômetros, nas fronteiras, na qual se exige retificação do Incra para garantir, acima de 2500 hectares, a escritura da propriedade. Nunca cumprida, a exigência ameaça tornar fora-da-lei milhões de hectares. Um mar para novas tormentas.

Ainda os militares, sob o bordão da integração nacional, criaram o quinto problema. Uma faixa de 100 quilômetros, adjacente às rodovias federais na Amazônia, são de domínio público, embora tenham sido ocupadas. A idéia inicial era a da colonização em agrovilas, tentativa que se mostrou um fracasso absoluto. Caducou a proposta, restou a confusão.

Em sexto lugar, conta-se 500 mil posseiros, gente que cultiva e cria em terrenos por aí afora, sem nunca ter regularizado sua posse. Esses produtores precários poderiam se beneficiar do direito de usucapião especial, mas nem sabem o que isso significa.

O sétimo ponto causador da insegurança no campo está sendo provocado nas vistorias do Incra. Crescem as denúncias sobre a manipulação dos laudos oficiais. Com dificuldades para desapropriar os verdadeiros latifúndios, que se tornaram produtivos, técnicos do Incra taxam, no papel, fazendas exemplares como improdutivas. Cria-se um pânico no setor.

Por fim, para firmar corretamente a estrutura agrária, há que se titular também os beneficiários da reforma agrária. Uma multidão de 700 mil famílias de novos agricultores, continua dependente do poder público, constituindo uma inusitada espécie de funcionários públicos. Sua emancipação é fundamental.

Falha do governo? Certamente, mas pasmem. Quem impede a titulação dos assentados é o próprio MST, que não admite vê-los progredir, tornando-se senhores de seu destino. Nos assentamentos, mais que a escritura da terra, vale a submissão ao poder ideológico. É lamentável.

Basta olhar o relatório de gestão do Incra e comprovar terrível deformação da política fundiária: em 2004, na regularização de imóveis, apenas 6% da meta acabou cumprida. Na distribuição de cestas básicas para acampados, todavia, ultrapassou-se a meta em 711%. O problema só aumenta.

Crise política se agravando, resta torcer pelo melhor. Ninguém arrisca o futuro, decisões não se esperam. Se nem as esburacadas estradas são consertadas para escoar a safra, o que dizer do resto? Por detrás do sucesso da agropecuária, esconde-se um barril de pólvora.

Começa a corrida presidencial. Poderia vencê-la um mandatário com autoridade e coragem para colocar ordem nessa bagunça fundiária. Enfrentar os invasores de terras e os grileiros, titular os posseiros e assentados. Demarcar, de vez, as terras quilombolas e os territórios indígenas. Acabar com a fragilidade jurídica da propriedade rural.

Se conseguir, vira herói.


Nota do Editor: Xico Graziano, agrônomo, é deputado federal pelo PSDB. Foi presidente do Incra (1995) e secretário da Agricultura de São Paulo (1996-98).

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