O brasileiro é mesmo "bonzinho", como dizia a personagem de um programa humorístico da televisão, anos atrás. O que ele mais gosta de ouvir é mentira, chegando mesmo a sentir, lá no fundo de seu brasileiro coração, uma peninha do mentiroso, ainda que ele o esteja fazendo de bobo com a maior desfaçatez do mundo. Os depoimentos prestados nas diversas CPIs que estão em andamento são um festival de enganação a despertar inveja nos contadores de "causos" de Nova Bréscia, a cidade gaúcha que costuma promover um festival anual da mentira. A diferença é que nessa cidade todas as pessoas que comparecem ao festival sabem, de antemão, que nenhuma verdade será dita, devendo ser premiado o cara-de-pau que ali se apresentar com a história mais inverossímil que se possa imaginar. Nada de surpresas ou de burlas premeditadas. Já dos ilustres políticos e de outros figurões que transitam livremente pelos corredores do Palácio e do Congresso Nacional, o que se esperaria era o mínimo de vergonha na cara e o máximo de verdade e coerência, além de respeito ao cidadão. Ou será que isso não faz parte da "cidadania" que eles tanto apregoam? Ou será que agora os políticos e figurões, não satisfeitos em enganar o povo, ainda querem incutir na cabeça dos brasileiros que mentir é que está certo e dá vantagem? Ou será, então, que mentir e ouvir mentiras é que são sinais de cidadania a serem cultivados? O que tem sido apresentado nessas CPIs é um chocante e pornográfico espetáculo de mentiras, uma atrás da outra, que, se ditas em um país sério, seriam suficientes para condenar pelo menos ao ostracismo eterno quem as proferisse. Entre nós, porém, a penalidade máxima será a cassação ou a renúncia, e esta última com direito a nova chance eleitoral. Cadeia? Nem pensar! Isso é para primeiro mundo, não para um paisinho que até hoje não aprendeu que a lei deve ser igual para todos, independentemente da ideologia professada ou do partido a que pertençam. Pensando bem, entretanto, somos obrigados a reconhecer que a mentira é realmente um dos maiores prazeres de que o brasileiro desfruta há muitos anos. Basta ver que a maioria dos depoentes das CPIs, justamente por pertencer a um partido político que devotou toda a sua vida a dizer que branco é preto e que pau é pedra, nada mais fez ao longo de todo esse tempo do que enganar o povo com suas teses e doutrinas que, quando sopradas por uma tênue brisa de lucidez, caem por terra como um castelo de areia, desses que meninos de quatro ou cinco anos costumam fazer na praia. E, no entanto, todos eles foram festejados, incensados, adorados quase. Quantos brasileiros não passaram a vida acreditando que programas sociais vão acabar com a pobreza, quando ela vem aumentando ano após ano, a despeito dos inúmeros programas sociais que já foram feitos? Quantos não passaram a vida acreditando que projetos como o bolsa-isso e bolsa-aquilo seriam capazes de promover a distribuição de renda, quando é sabido que a renda só pode ser resultado do trabalho árduo do indivíduo em uma constante tentativa de superar-se e que esses projetos só servem para abrir novas brechas de corrupção? Quantos outros não passaram a vida acreditando que a concessão de vales-leite-gás-transporte-alimentação-remédio-dentaduras-óculos-tijolo iria conferir ao cidadão maior grau de liberdade, quando na verdade só o torna refém daqueles políticos que em campanha eleitoral batem no peito, jurando que "jamais irão permitir que se acabe com os direitos do trabalhador"? Quantos não acreditam, firmemente, que o desarmamento irá propiciar a redução da criminalidade, quando é patente que ela irá aumentar exponencialmente, permitindo que bandidos ajam com muito maior desenvoltura na certeza de que suas vítimas estarão desarmadas? Quantos ainda não se deixam iludir pela falácia do discurso da "igualdade", sem se darem conta de que nada foi feito para que as oportunidades - e não os resultados - fossem as mesmas para todos e que, sem elas, jamais haverá igualdade alguma? Quantos ainda não acreditaram na piada contada pelo ex-ministro Luís Gushiken em seu depoimento à CPI dos Correios, de que o atual governo é "o que mais tem feito pelos pobres do Brasil"? Quantos não acreditam que a eleição do presidente Lula se deveu à "história de luta" do PT, quando na verdade o candidato foi um produto muito bem embalado, vendido por uma das maiores empresas de publicidade do país e que, com o maior descaramento, embrulhou em papel de seda a caixa vazia do sonho que vendeu ao eleitor? Quantos não acreditaram que um presidente sem instrução alguma seria capaz de gerir um país de extensão continental e com problemas complexos como o nosso? Quantos, enfim, não acreditam que o Brasil "está mudando para melhor", como afirma uma das propagandas do PT na televisão, a despeito de todas as pesquisas - nacionais e internacionais - comprovarem que nossa economia está crescendo a passos de tartaruga enquanto as desigualdades sociais crescem a velocidades de fórmula 1? Não é surpresa que também agora, ouvindo novas e mais mentiras daquelas mesmas pessoas, os brasileiros cheguem a acreditar que o partido que levou o presidente Luiz Inácio "Lula" da Silva ao poder tem sido a vítima - e não o executor - de um esquema terrível de corrupção e de uma estratégia megalômana de tomada do poder. São capazes até de acreditar que o PT é mesmo o partido da ética e da moralidade, por mais escândalos que vejam em todo o noticiário nacional. E continuarão, lépidos e fagueiros, defendendo aqueles que os exploram, que roubam o seu dinheiro, que lhes dizem as mais rotundas mentiras, as quais são repetidas nas escolas, nas universidades, nos jornais, nos programas de televisão, nos bares e restaurantes, em todo canto onde se possa ter um enganador despejando as mesmas mentiras de sempre nos ouvidos de um bobo pronto a lhe dar atenção. É bem provável que o brasileiro também acredite que o governo tenha ficado chocadíssimo com a morte de Jean Charles de Menezes na Inglaterra, embora não se choque nem um tiquinho com as centenas de mortes que ocorrem diariamente nas principais cidades do país em confronto com bandidos armados até os dentes. É provável, também, que acredite que o melhor para o brasileiro é o governo fazer investimentos em outros países da América Latina, construindo suas estradas e metrôs, mesmo que nós, aqui dentro, tenhamos que correr todos os riscos com as crateras de nossas estradas e com os constantes assaltos que nelas se praticam, e mesmo que os habitantes dos grandes centros tenham que enfrentar ônibus velhos e cheíssimos, a custos muito superiores aos que pagarão nuestros hermanos pelo conforto de um metrô. Também é muito provável que os brasileiros acreditem piamente que nossos grandes aliados são os dois maiores amigos do PT e de toda a esquerda tupiniquim - Fidel Castro e Hugo Chávez -, sem olhar minimamente para o péssimo estado em que se encontram as populações de Cuba e da Venezuela enquanto seus líderes nadam em dinheiro. Mas o pior, o pior mesmo é ver os brasileiros, tão bonzinhos, acreditando firmemente em um governo que nada, mas absolutamente nada fez para melhorar as condições de vida dos próprios brasileiros (aliás, há mais de vinte anos que nada é feito pelo governo em prol do povo brasileiro). É vê-los não apenas acreditar nos depoimentos de Delúbios, de Genoinos, de Dirceus, de Marcos Valérios e companhia limitada (ou melhor, limitadíssima, restrita apenas à famiglia del cappo) e, ainda por cima, deixando escorrer uma lagrimazinha no canto do olho e exclamando, entre gemidos complacentes: "Coitadinhos, eles só querem o nosso bem!" O brasileiro é realmente bonzinho e gosta muito de ser enganado. Mas um dia há de se cansar. Ah, se há! Nota do Editor: Marli Nogueira é Juíza do Trabalho em Brasília.
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