Olhava o corpo estendido na cama redonda - mar de carícias, de porra, de cabelo crespo alisado da Maria das Dores, e de sangue. Lembrou da menina de olho grande e assustado que cruzou na estrada indo prá Campo do Mourão. Primeiro deu remorso. Mas, as coxas dos seus treze anos eram mais maduras que seus sonhos. Fugia de casa. O padrasto batia, a mãe bebia. Foi fácil. Lambendo o dedo lambuzado de gordura, ria da fome da menina que enfiava tudo na boca, que de gordura também brilhava. E ria. Ria tanto, que quase desistiu. Mas lembrou das coxas; e da carne dura. Vou cuidar de você - prometera quando ela chorou. Só dói da primeira vez, depois passa. No dia seguinte, o olho dela brilhava de um jeito diferente. E soube que era uma questão de tempo. Um homem mais rico talvez, ou mais moço. Mas passou o tempo. Ele montou casa prá ela em Marialva. Vinha sempre que dava. Não lhe faltava nada. Ela cada vez mais bonita e alta, dava-se; mas de um jeito esquisito. E sempre chorava. Mas por que chorava? E ele se irritava. Engravidou. Não quis o filho. Ficou ainda mais bonita triste e seca. Não chorou. Disse que queria ir embora. Ir prá São Paulo, ganhar a vida. Ele prometeu vir mais vezes, roupa bonita, perfume. Mas o olhar dela mudou de novo. Nem tinha percebido quanto tempo passara. Não pensava, só sentia que não ia conseguir mais viver sem sua menina que não era mais menina. Sem o prazer que sentia, quando entrava na estrada que levava à cidade, onde, naquela rua, e naquela casa, e naquela porta, e naquele quarto, e naquele corpo, não sentia mais o tempo, e sentia-se jovem: quase tão jovem quanto ela. Mas agora os anos todos tinham acordado de uma só vez. E pesavam. Me perdoa, dissera enquanto ela dormia. Não vai doer, prometo! Não mais do que os anos que te roubei, do tanto que prometi e não pude, não mais do que a dor de te saber de outro, de me saber sem tuas coxas e sem minha ilusão. Me perdoa. "Caminhoneiro mata amante em quarto de motel e depois se mata." (Jornal Notícias Populares - 11.04.93)
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