E então você se pergunta: "O que existe lá onde não estou?" O ex-secretário de Turismo tentou mudar o nome do Salto do Mijo, com medo de decepcionar os turistas, que poderiam preferir atrações mais assépticas, pelo menos na denominação. Salto do Nijo, Salto do Índio, Salto do Mico, foram algumas tentativas, mas o povo continua dizendo Mijo, e ele ainda está lá, em sua natureza pura, inominada, absolutamente avesso às nossas abstrações. Ou não está? Aproxima-se de sua queda descendo as escadarias irregulares do rio Beraldo, sentindo os frescores da floresta, e então aparece um espelho cristalino recoberto pela galhada, refletindo o céu em sua borda que se perde no precipício sobre o largo cânion do Rio dos Patos. Ouvindo o barulho suave da água espalhando-se no paredão de pedras, pode-se entender por que deram à cachoeira esse nome fisiológico, e alguns eruditos talvez me reprovarão quando eu disser que ao chegar perto do Salto do Mijo dá vontade de mijar! Também dá desejos de outras coisas, agarrados nos galhos sobre o abismo, vendo a água soltando-se no vazio, quando as roupas já estão espalhadas pelo chão e a companhia é doce e calorosa! Mas sejamos mais científicos e tentemos compreender por que o Salto do Mijo às vezes desaparece. E não é por causa do desmatamento, que tem feito secar tantas fontes nesta região. Mesmo nas temporadas de maior estiagem, a água do rio Beraldo continua correndo. Afastemo-nos até o quarto de hotel, na confortável cidade de Prudentópolis. Olhemos a enciclopédia de Física - criativamente deixada pela gerência sobre o criado-mudo junto à costumeira Bíblia - que nos explica como se formam em nosso cérebro as imagens e sons captados através da retina e do tímpano. Agora viajemos dali, sigamos as coordenadas do mapa e nos dirijamos até o paredão de 80 metros de onde despenca o Salto do Mijo. Pense como cientista, como se estivessem ali apenas os olhos e ouvidos da sua imaginação. Não são, portanto, os seus sentidos que tentam captar a imagem e o ruído da cachoeira, mas a sua mente destituída das ferramentas dos sentidos. Então perceba, com surpresa, que o salto não está mais ali, e nem mesmo a encosta recoberta pela floresta. Onde estão? Como alguém poderia transportar para outro lugar esse imenso pedaço de chão... e, quando você olha em torno, nada mais está ali, exceto o vazio, a escuridão. Mas ao abrir os olhos, o quarto de hotel ainda se encontra revestido de branco, os lençóis em tom bege, as almofadas com desenhos ucranianos e os guarda-roupas estão ali. E então você se pergunta: "O que existe lá onde não estou?". Se você de fato deslocasse-se até o local, ainda que fosse cego e surdo, chegando bem próximo poderia esticar o braço e sentir a água que despenca no Salto do Mijo. Mas para os seus sentidos inexistentes ele não existiria. Se lhe rasparem as terminações nervosas das mãos, nem mesmo com elas você perceberá a água da cachoeira, e então ela talvez seja percebida pelo gosto ou pelo cheiro, no entanto, se também o olfato e o paladar lhe forem subtraídos, o salto, o rio e o mundo deixarão de existir. Aquilo que sensibiliza seu olhar não é nada em formas e cores no instante em que seus olhos se fecham. O estranho complexo que vibra e reverbera em seus ouvidos abandonará a existência como som, tão logo você tape os ouvidos, ou afaste-se demasiado. As coisas não existem como as percebemos, quando estamos longe delas. São aglomerados de algo tão insólito quanto aquelas micro-estruturas bem imaginadas, que a classe pensante denominou "átomos" e "moléculas". Os objetos todos são conjuntos solidificados, líquidos, gasosos ou pastosos de micro-partículas em constante vibração, sem qualquer expressão enquanto não se traduzem num receptáculo tão elaborado quanto o cérebro, pelo intermédio dos sentidos, sejam do homem, sejam da andorinha. O Salto do Mijo, tal como o percebemos, durante a noite da ausência dos sentidos, é um simples aglomerado de algo invisível projetando-se no silêncio. Mas está sempre pronto a dar-se à poética natural dos olhos e ouvidos, que, ao aproximarem-se, percebem o rumorejar constante e delicado de um véu branco estendendo-se na encosta e revelando o espírito do mundo em forma de matéria. O rio é maravilhoso porque nunca sabe a hora do abismo e porque mesmo assim continua correndo
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