Tudo no Brasil, desde idos distantes, costuma, ainda, ser resolvido pela força da letra de leis artificialmente construídas ao velho e bom estilo para apenas inglês ver e a brasilidade continuar a perecer. Nestas terras cabralinas vive-se da ilusão que tudo pode vir a ser resolvido por decretos ou, via criação de ministérios. Exemplos, infelizmente, existem às pencas nesta república de bananas deste fenômeno. Passados alguns anos, não sei se o amigo leitor lembra-se de uma lei que havia sido criada na cidade de São Paulo que proibia que telefones celulares fossem utilizados nas dependências de postos de gasolinas para assim evitar possíveis explosões que poderiam ser causadas pelos referidos aparelhos. Curioso não, o poder de destruição de um telefone celular? E o que as autoridades irão fazer, colocar um fiscal em cada posto de combustível ou um sistema de câmeras estilo big brother para evitar "desvios" da lei divinal? Outro caso de "criatividade legislativa", foi-nos dada pelo senhor Aldo Rabelo, quando deputado federal, quando propôs que deveria se tornar obrigatório que os moinhos de trigo misturassem uma certa quantia de farinha de mandioca na farinha de trigo para assim reduzir o custo do produto e o mesmo pudesse ser consumido por mais pessoas. Será que não seria mais interessante que o Estado reduzisse os tributos que incidem na produção do referido produto para estimular a sua produção? Aliás, pergunto-me: se tal estupidez legislativa fosse aprovada, não levaria a uma mistura excessiva que baixaria a qualidade do produto? Pior, não levaria a aumentar a importação de trigo puro e assim não acabaria prejudicando os produtores brasileiros? Esses exemplos citados apenas fazem luzir a precariedade em que se encontra o exercício do poder em nosso país. Não estamos a falar tão só do caso dos nossos legisladores e de nossos representantes junto ao executivo, seja nas esferas Federal, Estadual ou Municipal, mas também e principalmente, sobre a postura que nós, cidadãos, tomamos diante destes descalabros. Os casos citados são deveras folclóricos, para não usar outra expressão, mas assim o são por refletirem a maneira de nós, sociedade brasileira, entendermos a vida política e de participarmos dela. Aliás, não deveríamos nos referir a nossa atitude frente a vida em sociedade da qual fazemos parte como cidadania, mas sim, como "estadania", como nos lembra o historiador José Murilo de Carvalho, e de nossa "expectativa de salvação social" através do Estado de Estatolatria, como nos apontava o finado filósofo Mário Ferreira dos Santos citando as palavras do Papa Leão XIII. Entende-se normalmente que a função do Estado é a de promotor de liberdades e não enquanto uma entidade que deva garanti-las. Vemos a figura do Leviatã como o responsável pela promoção do bem-estar social através de suas intervenções, muitas delas desnecessárias e outras, suas, sempre deixadas de lado devido a sua e a nossa ineficiente atuação. A deles enquanto gestores e a nossa, enquanto "cidadãos". O Estado não é o fim último de nossa existência e muito menos o nosso "protetor perpétuo". Todavia, por que lembrar destes quesitos nesta missiva? Devido a proximidade que estamos do Referendo sobre a proibição da venda de armas, ao nosso ver uma lei mais do que inútil. Ela é perigosa. Nós, enquanto sociedade, ficaríamos despidos do direito de comprarmos uma arma, pois, o Estado nos garantirá a defesa contra os meliantes que circulam. Muito bem, vamos supor que tal ocorra, quem me protegerá do Estado? Isso mesmo, ou será que os golpes de Estado e ditaduras que assombram a nossa história recente não serviram de testemunho cabal deste perigo? Segundo, caríssimos, me digam um bandido que tenha usado uma arma em um delito que tenha sido comprada legalmente? Digam-me em qual bodega o PCC adquire as suas armas que, via de regra, deveriam ser de uso exclusivo das forças armadas? Ah! Mas a preocupação do generoso Estadossauro é nos proteger de nós mesmos para que nossos filhos não sofram um acidente com esses objetos malvados que são as armas de fogo, que nosso vizinho não nos agrida gratuitamente em uma discussão de beira de muro etc. Perdoe-me, mas o problema da violência está tão bem resolvido que o Estado pode se dar ao luxo de se preocupar com crimes domésticos? Será que não há nada mais urgente para eles se preocuparem e que lhes faculta resolver? Por fim, nestas linhas não peço que o amigo leitor, enquanto um indivíduo ciente de suas obrigações cívicas, opte pelo sim ou pelo não diante do referendo sobre a proibição do comércio de armas, mas sim, que reflitam de maneira serena sobre as funções que cabem e que não cabem ao Estado desempenhar e, o que cabe a nós, sociedade civil e assim, somente assim, decidir sobre o caminho que deverá o Brasil, enquanto sociedade, seguir. Mas lembre-se: a responsabilidade é totalmente sua e de mais ninguém.
Nota do Editor: Dartagnan da Silva Zanela é professor e ensaísta. Autor dos livros: Sofia Perennis, O Ponto Arquimédico, A Boa Luta, In Foro Conscientiae e Nas Mãos de Cronos - ensaios sociológicos; mantém o site Falsum committit, qui verum tacet.
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