Foi uma demonstração de eficácia em lobby o processo de influência do setor privado e do governo norte-americano na aprovação do Cafta-DR (acordo de livre comércio entre Estados Unidos, países da América Central - Costa Rica, El Salvador, Guatemala, Honduras e Nicarágua - e República Dominicana). Os dados relativos a seu potencial impacto no emprego e na renda, aos beneficiados diretos e indiretos e ao incremento das vendas externas foram relatados com precisão em estudos, jornais, revistas, sites, cartazes e gabinetes de todos os congressistas considerados críticos para a votação. Mesmo com margem apertada (Senado: 55 X 45 e Câmara: 217 X 215), o Cafta-DR foi aprovado e ratificado. No início de 2006, quando deverá viger, 80% dos produtos manufaturados e 50% dos agrícolas dos sete signatários circularão entre eles com tarifa zero. Mesmo assim, a redução total do universo tarifário deve ser feita de maneira progressiva e balanceada. Embora o Cafta-DR cubra baixo volume de comércio - US$ 32 bilhões - e não tenha grandes efeitos na redução da balança comercial norte-americana (deficitária em mais de US$ 600 bilhões), estimada em US$ 756 milhões, representa grande vitória para o presidente Bush e a política comercial de seu governo, que, cada vez mais, deixa clara sua ambição por acordos desse tipo. Acesso a mercados é apenas um item nos diversos capítulos do Cafta-DR, que versam sobre questões relativas a normas ambientais e trabalhistas, compras governamentais e proteção à propriedade intelectual, ou seja, pontos que dificultam as negociações da Alca. Além disso, a abertura em setores como telecomunicações, seguros e serviços fica garantida. Porém, o mais interessante foi o alto grau de mobilização dos interessados nos Estados Unidos. Entidades de classe dos países envolvidos uniram-se a órgãos do governo, empresas, think tanks e representantes de trabalhadores e comandaram um show lícito e transparente de lobby. Agendaram-se centenas de reuniões individuais com deputados e senadores e milhares de panfletos e documentos foram deixados em cada porta e caixa de correio dos gabinetes. Também se realizaram dezenas de viagens de embaixadores e presidentes dos países da América Central e República Dominicana a Estados americanos onde os votos dos congressistas eram considerados sensíveis. Entidades comprometidas com a aprovação do tema enviaram semanalmente mensagens aos principais tomadores de decisão do governo americano, evidenciando as vantagens do Cafta-RD para os empregos, observância de regras e incremento dos fluxos comerciais. A importância do acordo para o Executivo americano era tamanha, que até o presidente Bush discursou na OEA, enquanto seu vice, Dick Chenney, falava no Congresso para garantir apoio. Os maiores ganhadores com o advento do Cafta-DR foram os Estados Unidos, porque a maioria das importações oriundas dos países da América Central e República Dominicana já ingressava em seu mercado com tarifa zero, enquanto seus produtos pagavam tarifas entre 7% e 11%. Ganharam porque os outros seis membros comprometeram-se a cumprir as normas da Organização Internacional do Trabalho (OIT), grande preocupação do Congresso americano. Ganharam porque terão a oportunidade de consolidar, via comércio, sua influência geopolítica na região e porque o acordo contribuirá para solidificar o ambiente democrático que vem se fortalecendo desde o fim das guerras civis na América Central - área estratégica para os Estados Unidos - nas décadas de 70 e 80. No setor têxtil, também registraram vitória relativa, pois os países do Cafta-RD são compradores de um quarto dos US$ 11 bilhões vendidos anualmente pelos EUA. Depois da ratificação do acordo, os países da América Central e a República Dominicana deverão tornar-se muito atraentes para os investidores estrangeiros, que buscam regiões de fácil acesso aos EUA - o maior mercado mundial - e cujos custos de mão-de-obra, tributários e logísticos sejam baixos. Cabe ressaltar que, embora as oportunidades de investimentos sejam maiores com a aprovação do acordo, somente a adoção de políticas preparatórias internas e de incentivo serão capazes de criar ambiente favorável ao aporte de capital em projetos produtivos. Para o Brasil, fica a lição: sistemas políticos de democracias consolidadas podem funcionar sem mensalão, laranjas, contas-fantasmas ou CPIs. Nota do Editor: Fabio Rua é gerente de Relações Internacionais da Amcham Brasil (Câmara Americana de Comércio).
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