A imprensa elitizada e diplomada dos segundos cadernos que sempre demonstrou preconceito e desprezo pela música sertaneja deve ter deitado os cabelos para trás, normalmente já o trazem em pé com o auxílio da velha brilhantina, com a escolha do longa-metragem de Breno Silveira, "Dois Filhos de Francisco", como o filme nacional escolhido para representar o Brasil no Oscar. Confesso que só corri para o cinema depois da indicação, só para conferir e confirmar o acerto da comissão julgadora. Desde já, a história da dupla sertaneja Zezé Di Camargo e Luciano é minha favorita não só como melhor filme estrangeiro, mas para muitos outros prêmios. E nem precisei assistir a todas as outras onze produções que concorreram à vaga pelo júri montado pelo Ministério da Cultura. E a concorrência este ano era respeitável. Estavam na disputa "Meu Tio Matou um Cara", de Jorge Furtado; "Jogo Subterrâneo", de Roberto Gervitz; "Quanto Vale ou é Por Quilo?"; de Sérgio Bianchi; "Gainjin 2 - Ama-me Como Sou", de Tizuka Yamasaki; "Concerto Campestre", de Henrique de Freitas Lima; "Casa de Areia", de Andrucha Waddington; "A Dona da História", de Daniel Filho; "Contra Todos", de Roberto Moreira; "Quase Dois Irmãos", de Lúcia Murat; "Tainá 2 - A Aventura Continua", de Mauro Lima; e "Garrincha - A Estrela Solitária", de Milton Alencar Jr. Agora, vamos torcer para a lista final dos concorrentes ao Oscar, que sai no dia 31 de janeiro do próximo ano, colocar o concorrente brasileiro na festa de premiação, em março, se nenhum vendaval terrorista acabar com Los Angeles antes disso. Porque o filme é simplesmente maravilhoso. Zezé e Luciano, do alto da pirâmide de sucesso que escalaram com seu "É o Amor", novos ricos despertando admiração e inveja, não esconderam nada do seu passado e escancararam a miséria e o sofrimento do povo brasileiro em cenas de um realismo soberbo. A fome, as carências com saúde, educação, segurança, tudo é pintado em detalhes captados com muita sensibilidade e sutileza. Casebres com goteiras, crianças dormindo sobre cobertores imundos jogados no chão de areia, imagens que posso conferir da minha janela para a avenida Paulista, nos barracos de papelão em que famílias passam dias e noites debaixo das marquises do maior centro financeiro do país, sucedem-se com propriedade numa narrativa cinematográfica correta e adequada. Se a qualidade técnica nivelou hoje toda a produção brasileira, nesse filme conseguiu superar as tradicionais deficiências de som do cinema nacional. É perfeito. Se das outras vezes torci por concorrentes brasileiros no Oscar para acabar dormindo nas prolongadas sessões noturnas do espetáculo da premiação, dessa vez tenho certeza de que não pregarei olho se a dupla sertaneja estiver entre os candidatos. Porque mostra todo o contraste de um Brasil corroído por uma das mais altas incidências de concentração de renda do planeta. E o faz com arte e competência. Parabéns Brasil. Nota do Editor: Delmar Marques é jornalista, com curso de direção e roteiro de cinema.
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