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Opinião
03/10/2005 - 16h34
De que lado está a imprensa?
Christian Rocha
 

A verdadeira caridade não existe entre grupos, entidades ou nações. Nestes casos, as trocas acontecem com base em interesses declarados. Um governo beneficia uma empresa porque recebe dela serviços ou produtos. Uma empresa oferece serviços especiais a um cliente porque recebe dele dinheiro ou boa publicidade. Uma pessoa escolhe este ou aquele estabelecimento por causa dos bons preços ou do bom atendimento. Não há nada, além do interesse próprio, que mova pessoas, empresas, entidades ou nações a escolher isto em vez daquilo. Apenas no mundo do faz-de-conta uma pessoa pode oferecer um benefício sem esperar ou desejar qualquer contrapartida.

Às vezes esses interesses são maquiados por conceitos de nomes muito simpáticos. Há grupos, por exemplo, que se esmeram na digna tarefa de desarmar a população civil. Como se trata de algo muito bem visto, é bastante simples ganhar o respeito e a atenção da população através dessa causa. Nem sempre esse trabalho é maquiavélico como talvez eu faça parecer. Na verdade, defender interesses próprios não é intrinsecamente ruim ou bom; ruim é escondê-los sob a cortina do bom-mocismo.

A imprensa brasileira pode ser tomada como um exemplo do mau uso de boas causas. Enganam-se aqueles que pensam que o objetivo principal da imprensa brasileira é informar e noticiar com objetividade e imparcialidade. Isto é o que faz a maioria das empresas de comunicação - são tarefas básicas que qualquer empresa do setor tem condições de cumprir. Mas o que move tais empresas, como qualquer empresa, é o dinheiro. Não há uma causa social ou uma ideologia fundamental que sustente o trabalho dessas empresas.

O vazio conceitual dessas empresas poderia ser uma grande vantagem se ele se convertesse em liberdade individual para seus profissionais. O que ocorre no entanto é totalmente diferente. Diante da falta de direcionamento ideológico, jornalistas preferem a comodidade de submeter seus trabalhos à contabilidade da empresa. A ética jornalística não deixa de ser importante neste caso, ela apenas é subjugada por critérios outros, como a audiência, as vendas e o bom nome da empresa e seu poder de influenciar.

Faz muita diferença ler um jornal imaginando estar diante dos fatos mais importantes do dia e lê-lo percebendo em cada linha a mão pesada do departamento financeiro. No primeiro caso, acreditamos que a imprensa noticia a realidade. No segundo caso, vemos que ela filtra a realidade conforme suas próprias inclinações. Às vezes a notícia e o teor da notícia correspondem aos fatos que ela pretende informar, mas trata-se de uma coincidência, pois neste caso também se observa a submissão às leis de mercado, porque é rentável e de bom-tom não interferir em notícias tão precisas quanto os resultados dos jogos de futebol ou as cotações da bolsa.

Contudo, é geralmente nos assuntos menos precisos que o peso das empresas de comunicação faz os maiores estragos. Se o seu time venceu o jogo mais recente e um jornal resolve criticar as falhas da zaga em vez de destacar os pontos conquistados, não se trata de um erro sério. Mas, para citar um exemplo recente, a imprensa não hesita ao apedrejar o mesmo dirigente que ajudou a colocar no poder, sem reconhecer nisso qualquer contradição, a história é diferente.

Aconteceu em Ilhabela um fato que ajuda a ilustrar tudo que foi dito até aqui. Recentemente o presidente da Câmara Municipal foi condenado ao pagamento de multa e à perda do mandato de vereador e dos direitos políticos. Todo processo de cassação é longo e permite que o réu recorra da decisão, que será revista, em diversas instâncias. Mas um dos jornais locais, em vez de noticiar a cassação do vereador, preferiu considerar a vacuidade do fato, dadas as características práticas de um processo desse tipo. Em outras palavras, em vez de dizer "Presidente da Câmara é cassado" publicou algo como "Presidente da Câmara continua no cargo - processo não tem efeito prático". As duas manchetes correspondem à verdade, mas uma é "mais verdadeira" do que a outra. Há aqui dois lados: o lado do vereador cassado e o lado da justiça, que o condenou. Ainda que a cassação não tenha realmente efeito prático de imediato, trata-se de um fato jurídico importantíssimo para a cidade.

No caso de Ilhabela, erra quem pensa que o jornal se colocou à disposição do vereador por reconhecer nele um caso de condenação injusta. Houve apenas trocas de interesses. O vereador, pessoa influente, um dia pode tornar-se prefeito. Ao jornal interessa - e muito - estar sob a proteção do Estado (no caso, o Legislativo e o Executivo municipais). Assim, não há dúvida, não há crise de consciência: escolhe-se o lado mais rentável e poderoso e todos saem ganhando - menos o leitor.

Algo semelhante ocorre com a Rede Globo. Até onde minha memória pode alcançar - a época do presidente Figueiredo - a TV carioca sempre apoiou o governo federal. Jamais nutriu qualquer tipo de conflito e se o fez em algum momento foi apenas para defender, com unhas, dentes e ferocidade, o nome da Rede Globo, que, como todos sabem, é maior do que qualquer pessoa, partido ou governo.

Nas eleições de 1989 a bola da vez era Fernando Collor - a Globo o apoiou. Tão logo surgiram as primeiras denúncias de irregularidades sobre seu governo a mesma Globo que ajudou em sua eleição pôs-se a serviço da oposição e dos caras-pintadas. Por que? Primeiro porque Collor tornou-se o lado mais fraco; fruta podre, ele cairia de qualquer forma - torcer apenas para times vencedores é garantia de satisfação constante. Segundo porque, embora fosse uma patifaria das mais grossas, a contradição não seria percebida pelo público. Com a complacência dos espectadores e os benefícios da trairagem, a Rede Globo não teve dúvidas sobre qual direção seguir.

Nestes caso, como em muitos outros, a imprensa está do próprio lado. O que ela chama de imparcialidade na verdade é conveniência e rentabilidade. Quando a imparcialidade deixar de ser rentável, todos os jornais serão parciais. Até que isso aconteça, o jornalismo continuará sendo uma troca de favores, um triste comércio de benefícios e influências. Ao leitor, resta dispensar os periódicos ou pelo menos não levá-los tão a sério.


Nota do Editor: Christian Rocha vive em Ilhabela, é arquiteto por formação, aikidoka por paixão e escritor por vocação. Seu "saite" é o Christian Rocha.
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