Prometeu, segundo a mitologia grega, é o "pai" da espécie humana. Foi a divindade que forjou da argila o homem e roubou o fogo do céu para trazer o sopro da alma ao homem feito do barro. Biblioteca Itinerante Prometeu é o nome do novo "projeto" do poeta Douglas de Almeida, na cidade de Salvador/BA. Com permissão do tolo trocadilho, a biblioteca promete. Douglas, que também é criador do já histórico selo Edições Tupyhanarkus, tem o nem sempre compreendido hábito de batizar seus projetos com nomes de eventos ou personagens mitológicos. Antes do atual Prometeu, já havia lançado o espaço Ágora - cuja barraquinha foi apreendida pelas "autoridades" locais - dentre outros. A princípio parece ser um projeto interessante, esse da Biblioteca Prometeu de levar livros, e quando possível os próprios escritores, ao encontro daqueles que não têm acesso à literatura. Mas sem o apoio das autoridades públicas, vai ser apenas mais uma boa semente lançada no solo fértil, porém mal adubado, da vida cultural soteropolitana (e brasileira - diga-se). Esse projeto deveria ser abraçado, desenvolvido e aperfeiçoado pelas Secretarias de Estado da Educação e Cultura por todo o país. Ainda mais num país tão pobre em bibliotecas (e leitores) como o nosso. Existem projetos similares a esse na periferia de São Paulo, do Recife, do Rio de Janeiro e de muitas outras cidades espalhadas pelo Brasil tocados por pessoas abnegadas. Sim, tá certo que o povo precisa de arroz e feijão, de escolas, de hospitais, de segurança etc. Mas, como indagava J.C.: Você tem fome de quê? O povo tem fome de palavra e pão. Apesar de já ter sido chamado por detratores enraivecidos de oportunista e gigolô da literatura baiana, Douglas de Almeida é um sujeito bem-intencionado (bom pai de família e coisa e tal) e tem toda sua vida dedicada ao fomento e divulgação da literatura. Quando jovem, já foi autor de gestos que entraram para o folclore local, como quando - per epatet les anarquist - defecou na mesa de debates dum congresso anarquista. Coisas da rebeldia juvenil. Mas também onde já se viu anarquista reunir-se em congresso!? É também um excelente recitador de poemas e "agitador cultural". Mas, parece-me, não tem recebido o devido apoio e o reconhecimento por parte da mídia e dos gestores responsáveis pelas autarquias e fundações ligadas à cultura. E, em grande parte, devido a essa falta de apoio e também um pouco devido à natureza excessivamente "tranqüila", digamos assim, do poeta, alguns desses projetos não alcançam plenamente seu intento. A trajetória de Douglas às vezes me lembra as batalhas vãs de um Dom Quixote, ou o inútil e eterno intento de Sísifo, mas também me remete ao personagem mitológico que dá nome à sua biblioteca. O poeta parece uma espécie de Prometeu que tenta tocar com o fogo da poesia o homem feito do barro. Esse mesmo homem que hoje manifesta sua cultura e alegria em tolos requebros ao som dos axés, funks e outras milongas. Pois, ressalte-se, as ações do poeta e "agitador" Douglas visam principalmente uma maior divulgação da poesia e da literatura nos estratos mais desassistidos da sociedade. Na verdade, ações e exemplos como esse são vilipendiados, pois parecem incomodar a alguns. Sobretudo àqueles que estão há anos confortavelmente acomodados à sombra, não dos coqueirais da Bahia (ou do Rio, do Recife etc.), mas dessa indústria de reciclagem do lixo cultural que enche as burras de uns poucos espertalhões e deixa a população cada dia mais pobre - pobre de espírito, inclusive. Iniciativas de ações culturais verdadeiras como essa e outras dos mais diversos "Prometeus acorrentados", que se espalham pelo país afora, são estrategicamente ignoradas pela mídia e pelos colunistas culturais, pois incomodam a muitos ao trazerem à luz a nossa miséria cultural, que se arrasta tranqüila e paquidérmica nas sombras dos dias e dos coqueirais. E os abutres continuam a nos devorar o fígado.
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