Na última década, muitas expressões passaram a fazer parte do linguajar do cotidiano. Expressões como "globalização" e "sustentabilidade" são expoentes máximos desse processo de modismo que tem invadido os mais diversos lugares, sendo amplamente utilizados por pessoas e entidades. O uso e a práxis da palavra "participação" não foge à regra, seja por puro modismo ou por processos mais complexos de mimetismo. De repente tudo passou a ser participativo. Empresas, esfera pública, organizações do terceiro setor começaram a adotar a participação não somente em seus discursos como também nos seus processos de planejamento e decisão com fornecedores, clientes, cidadãos e comunidades. A princípio não há nada de errado e muitos enxergam isto com bons olhos. Porém, para participar é necessário conhecimento e informação - conteúdo fundamental das relações sociais em um processo que busca ser participativo. Se os atores envolvidos no processo de participação possuem níveis diferenciados de conhecimento e informação, poderão surgir relações de dominação que desfiguram o processo participativo. Quem possui conhecimento ou informação, detém poder! Qualquer que seja a interação social, sempre haverá duas formas de uso do conhecimento e da informação: uma que é plenamente dirigida, onde os mais "sábios" dizem o que é certo ou errado; e uma outra, onde os diferentes saberes são discutidos e compartilhados, minimizando as possibilidades de dominação. O que precisa estar claro para todos é que participar deve ser um ato político e este depende que as relações de poder sejam colocadas e percebidas de forma explícita e clara. Theodor Adorno, em seus estudos sobre a música contemporânea nos Estados Unidos, indicou que a repetição mecânica de uma canção de sucesso levaria inevitavelmente a uma regressão do ouvido e ao desaparecimento do som. O mesmo pode acontecer com as palavras e os conceitos. Quando a participação é usada de maneira abusiva, o conceito torna-se abstrato e impreciso, revelando sua verdadeira origem: um discurso forjado dentro de interesses particulares que conduz a processos participativos de caráter falso que possui apenas função legitimadora. A banalização e o uso repetitivo do conceito participação retira desta palavra o seu componente político de disputa de poder e mediação de interesses distintos em direção ao consenso. É necessário que a participação seja vista como uma conquista social que anseia construir uma sociedade mais democrática e justa, e não uma prática transformada a serviço dos interesses privados. Devemos estar atentos, sobretudo aqueles que exercem cargos representativos em conselhos, assembléias, fóruns e congregações, pois o uso maciço da palavra participação nos discursos e nas práticas destes órgãos poderá encobrir as relações de poder estabelecidas, bem como a diferença de acesso ao conhecimento e à informação - elementos fundamentais no processo de discussão e deliberação -, conduzindo para processos realizados com agendas previamente elaboradas segundo estruturas hierárquicas que somente reproduzem valores de dominação e diferença que devem ser combatidos e desprezados. Nota do Editor: Rafael Martins é administrador público pela FGV-Eaesp e pesquisador do Instituto Polis.
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