Há 30 anos, porque estavam cismados com o então governador Paulo Egydio Martins e com o secretário de Cultura, José Midlin, policiais do DOI-CODI, uma espécie de Gestapo da ditadura militar, prenderam o jornalista Vladimir Herzog na noite de 24 de outubro de 1975. Editor de jornalismo da TV Cultura, o jornalista fechou o telejornal noturno e foi se apresentar para dar explicações na sede da política. No dia seguinte, estava morto, pendurado pelo pescoço no vitrô de sua cela. A história todo mundo sabe e quem não sabe deve saber para que não fique só para o PT a fama de ter lutado contra a ditadura e ter "reconstruído a democracia" como a filósofa delirante Marilena Chauí declara. Documentários e livros estão novamente dando registro à história que começou a derrubar o governo militar. A missa de Vladimir Herzog oficiada por D. Evaristo Arns, ao lado do arcebispo D. Helder Câmara e do rabino Shoebel, teve oito mil pessoas na catedral da Sé. Nesta semana, a revista ’IstoÉ’ traz uma matéria relatando o fato. Traz uma entrevista de Clarice Herzog, que não se profissionalizou como perseguida e nem ganha pensão milionária como muitos "reconstrutores" da democracia percebem suas aposentadorias por terem sido presos, torturados, perdido o emprego, ou simplesmente obrigados a ir embora do país. Há quase um ano (21/10/2004) o colunista Cláudio Humberto publicava que jornalista morto vale menos, ao divulgar que a viúva de Herzog recebeu apenas R$ 100 mil em razão do processo movido contra a União, enquanto outros, como o escritor Carlos Heitor Cony, receberam muito mais - Cony recebeu pela demissão do jornal em que trabalhava R$ 1,4 milhão e mais R$ 19 mil mensais de pensão vitalícia, entre tantos que se locupletaram com o presente que o neoliberal Fernando Henrique conferiu aos seus colegas de combate ao regime militar, incluindo os petistas e o presidente Lula, é claro. Dessa herança do tucanato, nenhum petista reclama. Esses fatos estão gravados na história recente do Brasil. Mas há outros heróis nessa resistência. Há o homem que assistiu à missa por Herzog de longe, em uma pastelaria. Um homem que decidiu que "não podia passar a vida de forma velada, na esquina, comendo pastel". Esse homem é o juiz que deixou o país perplexo ao desafiar a ditadura e condenar a União pela morte de Vladmir Herzog, um homem que assumiu o lugar do veterano juiz que deveria dar a sentença no processo que Clarice moveu contra o governo federal. O juiz que o sucedeu, de 32 anos, estava no começo da carreira e deveria pensar no seu futuro e não desafiar os militares, pensavam. Só que ele desafiou e contou à revista ’IstoÉ’ desta semana que tirou férias, se trancou em casa com o processo na mão. Aí veio a sentença que colocou a magistratura na trincheira, uma sentença de 45 laudas datilografadas. O final: "Pelo exposto, julgo a presente ação procedente e o faço para, nos termos do artigo 4º, inciso I do Código de Processo Civil, declarar a existência de relação jurídica entre os autores e a ré, consistente na obrigação desta indenizar aqueles pelos danos materiais e morais decorrentes da morte do jornalista Vladimir Herzog, marido e pai dos autores, ficando a ré condenada em honorários advocatícios que, a teor do artigo 20, parágrafo 4º do mesmo diploma legal, fixo em Cr$ 50.000,00 (cinqüenta mil cruzeiros). Depois da lição de coragem, ainda deu outra de humildade: "Tratei o processo como trataria qualquer outro dos 11 mil que estão em andamento na 7ª Vara." O juiz federal João Gomes Martins Filho que antecedera o jovem juiz declarou à época: "Lançou-se sobre o Poder Judiciário a dúvida a respeito da dignidade, da coragem e da honradez do juiz que me substituísse... Enganaram-se os que assim pensaram porque, talvez mais forte, mais elegante e mais alta se elevou a voz de um jovem magistrado para deixar bem claro que ainda há juízes no Brasil..." O homem que desafiou a ditadura em nome da Justiça é o juiz federal Márcio José de Moraes e deu a sentença em plena vigência do AI-5. Hoje é desembargador e presidiu o Tribunal Regional Federal. Nasceu em Jacareí onde morou muitos anos. Hoje ele também faz parte da história recente do Brasil. É desse juiz que nós, jacareienses, nos orgulhamos e queremos contrapô-lo ao outro, o árbitro, que o vulgo das arquibancadas chama de "juiz" e que virou "juiz ladrão". Os dois, por coincidência, estavam nas revistas semanais mais importantes do país. Nota do Editor: Eloisa Nascimento é jornalista e diretora do Diário de Jacareí (SP).
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