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Crônicas
10/10/2005 - 20h00
Ilha ou continente?
Pedro J. Bondaczuk
 

"A solidão é uma revolta e uma aceitação do absurdo". Estas palavras não são, como pode parecer aos desavisados, de Eugene Ionesco, ou de Franz Kafka ou de Jean-Paul Sartre. Nem são de qualquer outro pensador existencialista. E muito menos de algum escritor dedicado a abordar o absurdo da vida que aí está. São de uma das figuras mais fascinantes, misteriosas e polêmicas do nosso tempo, cujo pensamento lúcido e vigoroso permanece absolutamente atual, mesmo passados 37 anos de sua morte. Refiro-me ao monge trapista francês (que viveu boa parte de sua vida em um monastério rural do Estado norte-americano do Kentucky), Thomas Merton.

Trata-se de um pensador relativamente desconhecido do grande público, das pessoas que não freqüentam bibliotecas e nem têm o hábito da leitura, especialmente de textos de reflexão, notadamente dos que se referem ao homem, ao seu papel no mundo e ao seu relacionamento - via de regra competitivo e conflituoso - com os semelhantes. Todavia, nas altas esferas intelectuais, é um dos escritores mais lidos, mais analisados e mais pesquisados dos últimos tempos. E com toda a razão. Trata-se de um clássico para os estudiosos de comunicação, em seu sentido mais amplo (não somente de jornalismo, claro, mas também dele).

Graham Greene, por exemplo, afirmou que as memórias de Merton tinham que ser lidas com um lápis na mão, tantas são as pérolas de reflexão que elas contêm. O Dalai Lama, por seu turno, afirma que não encontrou jamais no Ocidente alguém com quem se identificasse tanto, na alma, como esse monge rebelde, que sempre se opôs, com posições lúcidas e firmes, à exploração do homem pelo homem e à sociedade hedonista, perdulária e egoísta em que vivemos.

Um dos seus livros mais famosos, entre os 41 que publicou, "Homem algum é uma ilha", foi relançado, recentemente, no Brasil, pela Verus Editora. Aliás, nem se pode falar em relançamento, já que a edição original (da Agir), que data do final dos anos 60, esgotou em poucos dias. Não se acha um exemplar desse lote, hoje em dia, "nem para remédio". Trata-se, sobretudo, de um clássico do gênero, que aborda as verdades básicas que dão sustentação à vida do espírito.

Enfatiza valores perenes, que devem ser cultuados pelos homens de visão, por aqueles que ainda acreditam em um destino mais nobre para a humanidade, que não esta vida estúpida e sem sentido, de consumismo e de desperdício, que caracteriza os tempos que vivemos, como a sinceridade, a esperança, a caridade e, sobretudo, a liberdade.

O título do livro é inspirado na famosa citação do poeta e pastor anglicano da Catedral de Saint Paul, em Londres, no século XVI, John Donne, que rodou o mundo e serviu de tema para inúmeras reflexões filosóficas, políticas e comportamentais, que diz: "Homem algum é uma ilha sozinho em si mesmo; cada homem é parte do continente, parte do todo; se um seixo for levado pelo mar, a Europa fica menor, como se fosse um promontório; assim como se fosse uma parte de seus amigos ou mesmo sua, a morte de qualquer homem me diminui, porque eu sou parte da humanidade; e por isso, nunca procure saber por quem os sinos dobram, eles dobram por ti".

O termo "ilha", por sinal, tem significado muito especial para Merton. Quer dizer que a vida somente tem sentido quando admitimos que ninguém é sozinho e nem auto-suficiente. Ninguém se basta. Todos dependemos uns dos outros, e para tudo, principalmente para sobreviver. É uma idéia, aliás, que permeia toda a atividade jornalística, pelo menos em seu âmago, em seu objetivo primário, embora nem sempre (ou virtualmente nunca) venhamos a nos dar conta disso. A citação de Donne inspirou um dos mais célebres romances de Ernest Hemmingway, "Por quem os sinos dobram", que aborda a guerra civil espanhola.

A obra de Thomas Merton é, pois, um clássico. É atemporal. Foi escrita na década de 50, mas cabe como uma luva para caracterizar os tempos atuais. O autor, frise-se, foi precursor da promoção do diálogo ecumênico, quando isso soava como heresia.

Se puder, portanto, não perca a oportunidade de conhecer um pouco mais sobre essa figura tão fascinante e autêntica, e nem de adquirir o seu livro (se você o encontrar), que certamente lhe trará profundo enriquecimento espiritual. Afinal, como o próprio Thomas Merton acentuou, em uma de suas obras: "Temos de ser salvos da imersão num mar de mentira e de paixões denominado ’o mundo’. E temos, sobretudo, de ser salvos do abismo de confusão e de absurdo que é o nosso próprio ser mundano. A pessoa tem que ser salva do indivíduo. O ser único, misterioso e criador tem que ser libertado do ego esbanjador, hedonista e destruidor, que procura apenas cobrir-se com disfarces". E não tem?! Claro que sim, ora bolas!


Nota do Editor: Pedro J. Bondaczuk é jornalista e escritor.

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