Eu estava ali em casa, deitado, assistindo televisão, quando a campainha tocou. Fui atender, era um cara muito sorridente, de terno e gravata. Com uma maleta 007. - Lindo dia, não? - Olha, desculpa aí, mas eu não quero comprar nada... - O senhor está enganado, eu não sou um vendedor. - Certo, é daquelas igrejas que... - Não, também não tem nada a ver com religião. - Então é daqueles grupos que ajudam os cegos, né? Olha, na semana passada já passou um cara distribuindo uns envelopes, o envelope ainda deve estar por aqui, em algum lugar, e... - Não, não... Não é nada disso... - Mas o que é, então? - Eu estou aqui para corromper o senhor. - Não, muito obrigado, hoje não. - Mas o senhor já foi corrompido alguma vez? - Não, nunca, mas também não estou com vontade de me corromper agora. - Oras, mas não vai lhe custar nada... Muito pelo contrário. - Olha, é uma questão de princípios, sabe? - Princípios são coisas muito relativas, senhor... senhor? - Artur. - Certo, senhor Artur. Não é por se corromper que o senhor vai perder os seus princípios. - Como não? É claro que vou! - Não vai. Veja aqui, os nossos planos. Tem tudo explicadinho, tim-tim por tim-tim. - Hum... - Está lendo aqui, na alínea três? A que trata sobre Ideologias e Princípios? - Certo, quer dizer então que um corrupto ainda pode manter os seus princípios? - Não todos, obviamente, mas a maioria. - Mas e os vizinhos, o que vão falar de mim? - Devo informar-lhe que seus vizinhos já se corromperam faz muito tempo, senhor Artur. - Todos eles? Puxa vida... - Para ser sincero, toda sua rua já foi corrompida. - A rua? - E o bairro. - Caramba. - Eu... eu posso ser sincero com o senhor, senhor Artur? - É claro que pode. - Não apenas todo o seu bairro, como toda a cidade, todo o estado e todo o país. - Todo o país o quê? - Já está corrompido, oras. - Mas... e eu? Eu ainda não fui corrompido! - Foi por isso que me mandaram aqui. O senhor é o último. - Mentira. - Verdade. - Não é possível! Mas... e o meu pai? A minha mãe? - Olha, eu não vou mentir para o senhor, mas na semana passada... - Eu não quero ouvir mais nada, vamos terminar logo com isso. - O senhor é quem sabe, senhor Artur... - O que é que eu tenho que fazer? - É só pegar esse cheque. - Cheque? Nem ferrando. Eu só aceito dinheiro vivo. - Isso mesmo, senhor Artur, o senhor já está pegando o espírito da coisa...
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