Pedem-me que escreva sobre a música Smile ou Sorri, em Português. É covardia. Ela, com 69 anos e desgastada, é ainda das minhas favoritas e diz bem da tristeza que há até nos palhaços e humoristas. É verdade que Charles Chaplin é apenas um dos três autores, os outros são John Turner e Geoffrey Parsons. A versão brasileira, feita pelo compositor Braguinha, é um primor de delicadeza. Vejam como é bonita: "Sorri, quando a dor te torturar e a saudade atormentar os teus dias tristonhos, vazios. Sorri, quando tudo terminar, quando nada mais restar do teu sonho encantador. Sorri, quando o sol perder a luz e sentires uma cruz, nos teus ombros cansados, doridos. Sorri, vai mentindo a tua dor e ao notar que tu sorris todo mundo irá supor que és feliz". Smile foi feita para o filme Tempos Modernos, de 1936. Uma profunda sátira a um mundo que havia, entre outras coisas, acabado com o cinema mudo, criava o "fordismo", a sincronização dos tempos e movimentos industriais e deixava perplexo quem não queria aceitar o dito "progresso" com greves, desemprego, drogas e pobreza no século XX. Charles Chaplin, ou "Carlitos", seu personagem-clone, usou a bengala, quem sabe, como um modo de expressar que todos somos capengas e claudicamos em relação às nossas pequenas dores e as grandes agonias do mundo. E aí tem que sorrir. O sorriso é tido como atenuante "quando a dor te torturar". E cada um deve saber qual a dor que o atormenta, se real ou imaginária/emocional. Ora, se a dor mexe com a emoção, ela deixa de ser imaginária e passa a ser "real". E é uma tortura, pois faz "a saudade atormentar os teus dias tristonhos, vazios". Pois é, quando a saudade chega, ela toma assento e o sol se faz cinza e o dia fica vazio, embora possa estar pleno de luz. E a música pede - ou manda - que se sorria "quando tudo terminar, quando nada mais restar do teu sonho encantador". Quando o sonho acaba, o amor termina, a doença chega, alguém morre, uma amizade aparta, a tragédia surge, parece que a única solução é sorrir. Pode até ser do jeito que Carlitos sorria, meio amarelo, meio triste, misturando o palhaço que mora na criança que fomos um dia, com o adulto que reclama, como se ainda criança fosse, das pauladas que a vida nos impõe. Por esta razão é que há décadas ouço as muitas interpretações originais e versões de Smile. Ouvir dá força, embora, como qualquer mortal, se possa sentir quando o sol perde a luz e rouba a energia. É aí, "quando sentires uma cruz nos teus ombros, cansados, doridos" deves mandar tudo para o alto, respirar fundo e sorrir. Sorri, porque é uma boa solução. Eita, está parecendo auto-ajuda, mas não há como não ficar tocado quando se ouve, fala ou escreve sobre Smile.
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