Passar ao leitor a impressão de espontaneidade não é brincadeira. Fernando Sabino cortava um dobrado para obter esse efeito e nunca escondeu que mexia muito nos seus textos antes de liberá-los para publicação. Mas quando o lemos é como se estivéssemos em volta de uma mesa de boteco, num papo animado e inteligente com os amigos, onde a alegria fosse a prova dos nove oswaldiana. Um homem capaz de entrar num banheiro de restaurante e cumprimentar-se de passagem ao espelho não dá muito a idéia de um escriba minucioso, mas era assim mesmo; na hora do ofício, baixava o caboclo revisor: o pulo do gato, e afinal o gato era ele. Confesso que desconheço se o episódio do banheiro é biográfico, mas sei, de corpo presente que, na editora dos seus livros, ao sair uma tarde do elevador, cumprimentou o cartaz em tamanho natural de sua própria figura, que aguardava no saguão do prédio o momento de ser levado para a bienal do livro. Foi uma farra entre os funcionários quando a notícia se espalhou, e ele ria como um garoto, já engatando a terceira e tirando da cachola um monte de histórias semelhantes, numa verdadeira canja de cronista abençoado. E lia Montaigne. Lia justamente o ensaísta cuja palavra já não soa assim tão espontânea ao leitor moderno, massacrado pela extrema simplificação sintática da frase francesa. Ou seja, lia Montaigne e outros clássicos com a esperteza privilegiada dos feras na crônica, que sabem como induzir no cotidiano as lições do inaparente nesses grandes autores. Quem duvidar, que leia a lista de referências e citações que acompanha O grande mentecapto (a rigor, um romance-crônica). Mas isto aqui são notas sem maiores conseqüências, assim não espero. Lembrei-me de Sabino, porque procurava em minha estante um livro dele para dar de presente a meu irmão caçula, que fez quarenta e nove aninhos no dia 6, e amarra-se em Fernando. Este faria aniversário no dia 12, Nietzsche, em 15, Vinicius, por aí. Outubrada.
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