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Opinião
25/10/2005 - 12h00
O olhar médico
Moacyr Scliar - Agência Carta Maior
 

Há tempo defendo a tese segundo a qual as datas que homenageiam determinados grupos humanos resultam de um oculto sentimento de culpa pela perseguição, ou humilhação, ou opressão de que esses grupos foram, e às vezes continuam sendo, vítimas. Existe um Dia da Mulher, mas não existe um Dia do Homem. Existe um Dia do Índio, e um Dia da Consciência Negra, mas não existe um Dia do Branco. Outubro é um mês exemplar neste sentido: tem o Dia da Criança (onde está o Dia do Adulto?), tem o Dia do Professor e o Dia do Médico, comemorado neste 18 de outubro. Falemos sobre médicos.

Na Tate Gallery, de Londres, existe um quadro famoso de Sir Luke Fieldes (século 19), mostrando um atendimento médico. Ali está o doutor, sentado junto ao leito de seu jovem paciente, um menino, observando-o. No segundo plano, de pé, os pais, abraçados. Pela janela começam a entrar os primeiros raios do sol; o médico passou toda a noite junto à cabeceira do enfermo.

Essa era a imagem clássica do doutor: o sacerdote da Medicina. Como sacerdote, tinha uma devoção religiosa, desinteressada, generosa pela profissão; fazia qualquer sacrifício pelo paciente.

E adiantava? Bem, essa é outra questão. Digamos que o jovem enfermo tivesse uma infecção grave. Numa época em que não existiam antibióticos, o que podia o médico fazer, senão velar junto a seu paciente? Hoje a visita médica se caracteriza pela brevidade. Mas não se enganem: não é pouco o que a medicina faz pelos doentes. Temos fantásticos meios de diagnóstico, um formidável arsenal terapêutico. Depois que o médico sai, a ciência e a tecnologia continuam trabalhando por ele, e sob a orientação dele.

Esta nova situação tem provocado discussões, inclusive e principalmente no meio médico. Já participei de um Fórum sobre Humanização da Medicina, cujo objetivo era exatamente esse: resgatar os aspectos humanísticos da profissão (personificados no doutor de Sir Luke) e juntá-lo ao progresso científico e tecnológico.

O que é uma grande iniciativa. Ao longo de minha carreira médica vi diagnósticos brilhantes, vi surpreendentes inovações (ainda lembro quando o primeiro rim artificial chegou a Porto Alegre - ficamos deslumbrados). Mas lembro também momentos que trouxeram de volta o antigo espírito da profissão. E os lembro tanto na qualidade de médico como de paciente. Em 1993, tive um grave acidente de automóvel que me levou, com várias costelas quebradas, um pulmão perfurado e uma bacteremia para o Pavilhão Pereira Filho. Foi um duro transe que tive de enfrentar pesadamente sedado: dormia a maior parte do tempo. Uma madrugada, porém, acordei bruscamente, com a sensação de que alguém estava me olhando. Alguém estava me olhando: era um dos médicos da equipe que ali estava, quieto, imóvel. Seu olhar dizia tudo: era de avaliação ("Será que o cara sai desta?"), era de preocupação, era de solidariedade - era um olhar médico. A sensação de conforto que tive repetiu-se mais de dez anos depois quando, por causa de uma hérnia de disco, passei por um período de violenta dor. Vários médicos amigos me atenderam; os analgésicos habituais simplesmente não funcionavam e tudo o que eles podiam fazer era me olhar. Mas o olhar bastava. Porque havia compaixão naquele olhar, e compaixão vem de uma palavra latina que quer dizer sofrimento solidário. Uma cápsula de antibiótico é eficaz, mas não nos olha com compaixão. Um eletrocardiógrafo é um notável aparelho, mas não nos olha com compaixão. O olhar do médico, porém, o olhar de compaixão, é um grande instrumento da medicina. De alguma maneira Sir Luke Fieldes acertou na mosca.

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